sábado, 22 de novembro de 2014

Armadura

Ouça: Camarillas - Damien Rice

There’s no one to ask
How long this will last
I’ve shaved the silence
But it keeps growing back

Não é o efeito do álcool. Ou de drogas. Ou a música que toca no fundo. Também não é resultado de um bom dia. Aliás, os dias tem sido errados até agora. A culpa é da garota que se balança no bar.

sábado, 15 de novembro de 2014

Nota #1

Se as suas cicatrizes não refletem ou encontram encaixe no outro, não tente remediar. 

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Ainda

Num dia desses, não muito tempo atrás,
precisava de algo.
Talvez alguém.
Talvez um cigarro.
Talvez uma conversa.
Qualquer coisa que me ocupasse os lábios
e limpasse a cabeça.

Disquei teu número.
"Caixa postal".
Sinal dos deuses, pensei.
Engoli a ansiedade.

Realmente, precisava de alguma coisa.
Qualquer coisa.
Pedi um cigarro que nunca foi queimado.
Ganhei uma vida,
talvez algumas garantias.

Se tu me perguntares 
se eu sei o que eu fiz
ou o que faço agora
a resposta seria a mesma de antes.

Eu não sei o que eu quero.
Só não quero acordos.
Embora,
muito embora,
tenha, junto com o cigarro,
assinado um
som a cláusula que diz

Se perca (te perco)

domingo, 2 de novembro de 2014

Silêncio contractual




Ele bebia mágoa. Das enormes. A guria que há tanto tempo destoava a pouca atenção que ele empregava nas coisas tinha partido. Com pés de algodão e a porcaria do silêncio, tão característico entre as conversas a dois. Então bebia. Um coquetel de mágoa, dúvidas e más impressões.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Demora

Ouça: A Movie Script Ending - Death Cab For Cutie

Lado a lado, esperavam. Os braços quase se encostavam quando ela, impaciente, se mexia conforme os ônibus chegavam. O primeiro, então o segundo, de companhias diferentes e de procedência igualmente distinta.  Não era aquele que esperava. Outros continuavam a chegar e deixar que seus passageiros desembarcassem. Ela balançava as pernas como se dançasse uma música que só fazia sentido na própria cabeça. O rapaz ao lado observava com o canto do olho. Estava tão ansioso quanto a estranha, mas disfarçava colocando as mãos no bolso frontal da calça enquanto se inclinava para frente e para trás, vez ou outra.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

A ciência dos sonhos



Primeiro os porquês. Depois as vozes em tons altos, reverberando nas paredes, incomodando os vizinhos. Então as malas, o “fica bem”, o “é só por um tempo”. Ela chora. Ele tenta fazer caminhos alternativos para não cruzar com as lembranças dela expostas numa frase pichada no muro da terceira rua à esquerda. Ela sai de casa para resolver banalidades, veste a tristeza e descobre que lhe cai bem. Seduz estranhos com os olhos inchados de noites mal-dormidas. Pede que lhe completem os vazios. Não só os do corpo. Não entendem. Ele arrisca nos amores passados. A antiga amiga do ginásio agora não parece tão desesperada por companhia. A moça se esquiva e ele já não tem a menor paciência para jogos. Vivem um dia após o outro esperando que...

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Pequena Teresa

(***)

               O primeiro chegou como quem sabe o que quer. Até demais, alguns diriam. Tinha casa, bom emprego, carinho de sobra, vontade de vê-la sorrir. Cortejava-a com presentes, caros ou baratos, sempre com cartões a declarar as boas intenções. E boas intenções, de fato, nada dessas do qual o inferno está cheio. Sussurrava-lhe garantias ao pé do ouvido, a certeza dum amor tranquilo, bem visto por todos. Era um sonho. Se ela ousasse pedir o mundo, ele iria atrás, sem pestanejar. A boa vontade e a falta de capacidade de negar o que quer que fosse à moça, assustou-a. Fugiu antes que, a ele, precisasse dizer não.

domingo, 17 de agosto de 2014

Ruína

Ouça: So Sorry - Feist

Ele encara o corpo nu repousado na cama. Encolhida, ela admira o vazio das paredes brancas. Silêncio. É fim de tarde, mas lá fora já está escuro por conta do inverno. Permanecem juntos, mas separados por ocuparem os lados opostos da cama. A mulher, encolhida em seus pensamentos, o homem, sentado, de pés no chão e cabeça nas mãos. Perguntam-se onde erraram.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Vício

Ouça: Segunda Chance - Johnny Hooker


When I met you, you were blue.

As luzes baixas escureciam os rostos, o saxofone gemia nos ouvidos e a fumaça inebriava os pulmões. As vozes, apesar de embriagadas, eram contidas. Alguns discutiam as percepções filosóficas de um francês e um alemão com a mesma naturalidade com que desejavam ‘bom dia’. Sofás, corredores, tapetes. Jovens dispostos, corpos relaxados embalados por álcool, boa música e uma intelectualidade completamente avessa às regras da Academia.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Embora

Ouça: Dois Barcos - A Banda Mais Bonita da Cidade

"minha estratégia é
 que um dia qualquer
não sei como nem sei
com que pretexto
por fim me necessites"
Mario Benedetti in. Tática e Estratégia

Acabara de chegar ao quarto. A semana, o mês, todos errados. O fato de estar em outra cidade a resolver assuntos de trabalho também não amenizava a sensação de que sua vida era bagunça com a qual não sabia lidar. Tomou o telefone que repousava ao lado da cama, discou os primeiros números que lembrou. Chamou. Duas, três, quatro vezes. 

- Eu precisei te ligar...Eu que odeio tanto telefones. Que entro em pânico com o paradoxo da espera por alguém que eu não sei se vai atender, aparecer e gritar do outro lado da linha um “alô?”. Eu...eu tô tão perdida.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Desalinhados


*Esse texto é uma versão alternativa de "Regressivo", publicado no blog Contos avulsos. Para ler a versão original, clique aqui.




Já era noite. Eu resolvia assuntos da faculdade, pendências do trabalho. Absorta em mil afazeres que agora tomam meu tempo, me impedindo de analisar a vida. Ou o que ela era meses antes. Contas para pagar. Papéis, vários, é preciso protocol...Batidas.
Toques na porta. Passos até a porta. Atendi...

"Eu voltei para você"

Apagão.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Promessa

Ouça: Aos Garotos de Aluguel - A Banda Mais Bonita da Cidade

“2h...mesmo quarto...não demora.”

                Joga o celular na cama. Passa a mão pela cabeça, como se o gesto fosse manter a indecisão no lugar. Disse indecisão? Não. Não vai. Prometeu que mudaria.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Sutjeska

Passei um dia todo tentando desvendar tua mente. Sorvendo cada letra como se a junção de todas resultasse num quebra-cabeça com peças faltando. Processei as partes disponíveis tentando desvendar em que lugar se encontram as demais. Eu não sei. E o meu não saber é a parte mais vulnerável que existe nesse punhado de emoções e estranheza. O não saber me afunda.

sábado, 5 de julho de 2014

Anestesia - I

Ainda lembro que, quando entrou ali, fez todos os pescoços virarem. Se equilibrava nos saltos sem muito cuidado, sem necessidade de seduzir. A pele branca, o vestido negro, a nuca à mostra, o Chanel de Valentina. Não fosse pela idade, não avançada, mas madura, já beirando os quarenta, seria a italiana – ou melhor, a americana- em pessoa. A semelhança com a moça dos quadrinhos e o desinteresse por qualquer pose que os seres do sexo feminino custavam a manter em situações de extrema sociabilidade atraíam qualquer um naquele bar. Hipnotizava sem dificuldades. Isso tudo antes de quebrar a cara num poste, num dia qualquer. 

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Rascunho

Ouça: Nunca - A Banda Mais Bonita da Cidade


Encontraram-se em meio aos livros. As mãos se tocaram quando, por ironia, tentaram alcançar o mesmo exemplar de “Cem Sonetos de Amor”, de Neruda. Desajeitados. Como todos os amantes nos primeiros encontros, disfarçaram. Tomaram, cada um, seu exemplar e caminharam juntos até o balcão de empréstimos.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Transparente

Ouça: The Maccabees - Slowly One


Encaravam as pedras da calçada de petit pavé. Ninguém ousava quebrar o silêncio, de modo que os únicos sons ali eram os da cidade: o trânsito calmo das noites de domingo, os murmúrios dos que permaneciam nas ruas, a respiração dos dois pesada pela alteração do clima...

domingo, 22 de junho de 2014

Musa - II


Sem grandes afetações, fez o pedido. O “sim” reafirmava a ideia de atravessarem as décadas juntos. Decidiram, porém, esperar um ano para trocarem as alianças de maneira definitiva. Um ano é pouco, passa rápido, dizem os otimistas. De fato, é um curto espaço de tempo para quem compartilha a vida há tanto. Restou esperar.

sábado, 21 de junho de 2014

Musa - I

Ouça: Keaton Henson - The Drowning



- Eu preferia a primeira versão... 



Ainda eram jovens quando descobriram, um no outro, a vontade de pertencer para preencher seus vazios. Não passavam dos vinte e (muito) poucos anos, de modo que seus círculos sociais ainda agregavam memórias colegiais, paixões adolescentes e a péssima capacidade de escolher os bares nos quais beber. 

domingo, 1 de junho de 2014

Replay

Ouça: The Past and Pending -The Shins


Quatro, não mais que cinco anos. A efusividade junina desencadeada pela Copa do Mundo e o título que o Brasil não garantiu no mundial. A felicidade levou a taça. Os finais de semana, a música no ouvido dos amantes. Os rolos de 35 mm gastos com bobagens. A felicidade. 13.  

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Antídoto

Ouça: Amianto - Supercombo

Eu morri naquela noite.

Era sexta, sim. Mas, sei lá, poderia ter sido numa quinta, numa noite de sábado de quem todo mundo espera que algo genial demais aconteça. As pessoas esperam demais, sabe? Enfim, não é isso que eu queria dizer, porque...

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Obituário

Ouça: No Surprises - Radiohead

Faleceu no fim de tarde dessa sexta feira, 16, às 17:58, aquele que se chama Desejo. A causa ainda é desconhecida, mas há especulações que apontam inanição de atenção como sendo a causa mortis. O Desejo deixa viúvo o Interesse e órfão o Cuidado.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Clichê

Ouça: Vício - Phill Veras

Desejava um cigarro. Não consumia tabaco desde...desde a última crise ansiosa, provavelmente. Só um cigarro. Precisava ter qualquer coisa nas mãos. Tremia. Segurando algo pareceria menos desesperado ou a ponto de ter um ataque de nervos. 

quinta-feira, 24 de abril de 2014

poemeto medíocre nº 2113853211

Me deixa sem
sono,
palavra
ou ação
Me deixa louca
Me deixa quieta
Me deixa ficar
aí ou em q u a l q u e r lugar
Me deixa só

Me deixa

Só não deixa,
no teu lugar,
ficar a dúvida.


domingo, 13 de abril de 2014

Retratos de uma sequência: ponto...final?

Apreciavam, no outro, a palavra. Juntos, calavam. Não eram afeitos à despedidas. Desprezavam as garantias. Engoliram silêncios. Foram desfeitos por dúvidas.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Faz-de-conta

Ouça: Talk Show Host - Radiohead 

Era uma vez o menino de botas. Era pernas e braços, ossos e carne, mãos e pés, a gaiola no peito a proteger o coração. Toda a carapuça humana que se costuma ver por aí. O menino de botas vivia sozinho, num quarto pequeno, dentro de uma caixa que ficava no alto, empilhada sobre outras caixas equilibradas, que, diziam, não cairia nunca.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Irreversível

Malas que não chegam. Táxis lotados. Chuva. Check in. 30 minutos para o jantar. Peregrinação nos três bares mais interessantes da cidade. Um número de telefone dum tal Lorenzo. Cama. Seis e vinte e sete da manhã. Casaco, bloco, caneta, gravador. Uma xícara de café. Sem açúcar. Mais um táxi. O entrevistado não chega. Tiram fotos do lugar. Dá pra usar na matéria, mais tarde. O cara chega. Fala por meia hora da obra. Da cidade. Das mulheres. Da vida. Pede para ver algumas das fotos. Certifica-se de ter saído bem no vídeo. Fotogênico. Agora a bolsa tem também o número do artista. Canalha. Voltam para o hotel. Engolem qualquer coisa. Pegam os equipamentos, visitam os lugares coletados no trabalho da manhã. Tornam ao hotel. Trocam as roupas. Mais alguns bares. Outros drinks. Sabores diferentes. Gente diferente. Fria, sisuda. Tornam aos seus quartos. Malas. Check out. Acompanha os colegas até o táxi. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Poemeto sobre o Talvez (Farol)

Ouça: Cold War - The Antlers


Bastava só que abandonasses
todas as dúvidas que aportam no teu cais
Porque o que com tempo se constrói
o vento leva e traz
mas pode também ser pra sempre.


Ou nunca mais.

domingo, 19 de janeiro de 2014

T. 1:14 -15 - III/III


Ele...ele n-não parava...então...eu fiz."

Sexta feira, dez e cinquenta e quatro, lugar nenhum. Garotas girando em queijos, álcool sendo sorvido até pelas paredes. Fim de música, intervalo, uma sombra cruzando as portas, uma moça saltando do palco e sendo atraída quase magneticamente para a presença estranha. O segurança atento aos movimentos dos clientes. 
- Então...ela já está aí? 
- Sim. Me pediu que o acompanhasse até o camarim. Está lá recolhendo as coisas. 
- Tudo bem.  

sábado, 18 de janeiro de 2014

Ponto Final


Teceu memórias de seres imaginados
Mascarou, em histórias, desejos passados
Afundou, sem perceber, em todos os quereres velados

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

T. 1:14 -15 - II/III

Ouça: Mermaid Motel - Lana Del Rey
            Nas velhas caixas do som do salão ecoava a última música da noite. Era uma dessas canções antigas em inglês que tocavam no rádio durante a noite e que falam –surpresa!– sobre amor. A escolhida, na verdade, era sobre alguém que não quer se apaixonar. Havia escutado quando se dirigia ao motel pela primeira vez. Estradas, previsões para um futuro brilhante e uma parada em uma estrada de chão. Depois de esbarradas nada sutis na perna da moça, o rapaz que a levaria até os palcos revelou as segundas intenções. Anestesiada pelas promessas de sucesso, Cíntia deixou-se levar. O que era sobre o não-amor agora lembrava bancos traseiros, casos inconsequentes e vinha embalado em forma de Rodrigo, o segurança do “A Dois”.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

T. 1:14 -15 - I/III

Ouça: Fordham Road - Lana Del Rey

“Hmmm, o-o-o-i....Quer dizer, ahn...oi. Quando vocês encontrarem esse vídeo, saberão que eu fiz algo...errado. Mas....eu espero que entendam....e-eu tinha de fazer.”

Sin encarava o espelho. Os olhos castanhos brilhavam, o cabelo caía em cascatas até a altura das omoplatas. Trajava o melhor de seus vestidos. Cheio de paetês que alternavam o brilho conforme a luz os atingia. Atrás de si, três garotas nuas andavam, procurando por sapatos ou peças íntimas.“Sin, dois minutos!”, disse o rapaz que colocou a cabeça para dentro do cômodo onde estava. Dois minutos, apenas dois para que tomasse o palco.