Ouça: Segunda Chance - Johnny Hooker
When I met you, you were blue.
As luzes
baixas escureciam os rostos, o saxofone gemia nos ouvidos e a fumaça inebriava
os pulmões. As vozes, apesar de embriagadas, eram contidas. Alguns discutiam as
percepções filosóficas de um francês e um alemão com a mesma naturalidade com
que desejavam ‘bom dia’. Sofás, corredores, tapetes. Jovens dispostos, corpos
relaxados embalados por álcool, boa música e uma intelectualidade completamente
avessa às regras da Academia.
A sombra se
movia do outro lado da sala. Os cabelos nos olhos, a fumaça saindo por entre o
indicador e o mediano, subindo até os olhos injetados perdidos numa parede
branca, o intrigavam. Encarava o outro. A sombra apresentava cabelos pelos
ombros presos numa bagunça no alto da cabeça. Os fios caídos sobre os olhos se
misturavam à massa branca. Os nós da mão apertavam com força a cada tragada. Balançava
a que estava livre seguindo o ritmo do blues. Aquele que encarava já não podia
aguentar. Levantou, foi até o outro lado, se inclinou no ouvido do rapaz, munido
da voz clara e grave.
- Eu não me
importaria de virar cinza nos teus dedos.
A cabeça do
ouvinte virou, encarando o estranho que lhe lançara uma frase de efeito
claramente calculada pra lhe chamar a atenção. Tragou pela última vez, depositou
os restos da mistura de tabaco e venenos no cinzeiro e encarou o rapaz.
Aproximou-se o suficiente para que os hálitos se misturassem. No ambiente, a
melodia cruzava com diálogos. No espaço entre os dois, o silêncio das palavras
dava espaço para que os corpos declarassem suas vontades. Quando um levantou, o
outro repetiu a ação. Cruzaram uma das portas do lugar. Trançaram as pernas, despiram
as roupas e vergonhas. Também não se importaram em regular o volume dos corpos
transpirando desejo enquanto o mundo acontecia lá fora. A confusão de músculos,
cabelos, pelos, começava em um e terminava no outro. Caíram exaustos assim que
as vontades foram saciadas. O primeiro a despertar largou um telefone na mesa.
Juntou as roupas e saiu com a certeza de nunca ter sentido algo como o que
sentira naquela noite.
Três dias o
telefone tocou. “Vai ter uma festa, aparece aí”. Mesmo local, pessoas
diferentes. Descobriu que o cara de cabelos bagunçados era dono do lugar.
Descobriu também o nome. Júlio. Revelou o seu. Rodrigo. Alguns encontros mais
bastaram para que descobrissem ainda mais, das histórias e do corpo alheio.
Como cigarros
recém acesos, ardiam. Lábios e línguas trabalhavam para saciar as faltas.
Pescoço e ombros serviam de apoio pra mágoas. Depositavam na figura de dois
tudo o que fosse possível. Tragavam, inebriando os pulmões, não com fumaça, mas
com o perfume depositado nos poros. Mais e mais. Tragavam também, mais tarde, não
só o cheiro, mas tudo que pertencia ao outro. A chama consumia devagar. E
começaram a virar cinzas.
Até o dia em
que, inevitavelmente, esfacelaram, sem sequer sobrar resquícios.
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