domingo, 19 de janeiro de 2014

T. 1:14 -15 - III/III


Ele...ele n-não parava...então...eu fiz."

Sexta feira, dez e cinquenta e quatro, lugar nenhum. Garotas girando em queijos, álcool sendo sorvido até pelas paredes. Fim de música, intervalo, uma sombra cruzando as portas, uma moça saltando do palco e sendo atraída quase magneticamente para a presença estranha. O segurança atento aos movimentos dos clientes. 
- Então...ela já está aí? 
- Sim. Me pediu que o acompanhasse até o camarim. Está lá recolhendo as coisas. 
- Tudo bem.  
Saíram os dois, apressados em direção aos quartos que as garotas chamavam de camarim. Não passava de um cômodo pequeno, mofado e com uma porta para a rua, por onde os funcionários entravam. 
Assim que o homem pôs os pés para dentro do recinto, Sin fechou a porta atrás de si. A porta dos fundos se encontrava aberta, culpou então, o vento que (não) entrava ali. Vazio, nenhuma garota arrumando as coisas, nada além da porta. Ele achou estranho, ela alegou que a garota já deveria estar lá fora, próximo ao carro dele, esperando. Mais uma vez, saíram os dois. Ele caminhou até o carro, na frente dela. Parou em frente ao veículo, desligou o alarme, e foi checar os arredores –árvores, tomara o cuidado de estacionar em um lugar afastado. Se fosse para roubar uma das garotas do lugar, que, ao menos, não fosse notado. O estranho retornava ao lugar onde estacionara quando percebeu que nem a moça que o acompanhara estava ali. “PORRA! SÃO TODAS LOUC” 
*** 
Rodrigo nunca havia entendido Sin. Era bonita, mas estranha. Entendeu menos ainda quando a garota sumiu para os lados do vestiário com um completo desconhecido. Não era como as outras garotas do motel. Fodia com todos que cruzavam aquelas portas. Não com os corpos, mas com cabeças. Não era uma puta como todas as outras e nem cedia aos galanteios dos tarados insistentes. Era dele. Ponderou essa afirmação ao refazer o trajeto da dupla e dar de cara com uma recém fuga (num carro bonito demais para os padrões daquele lugar). Depois disso, só teve tempo de pular na caminhonete– a mesma em que trouxera a garota alguns anos atrás e seguir os malditos. 
 A cabeça pesava, o gosto na boca era ferroso e, de repente, lembrava de um filme em que o cara levava uma tijolada. Olhou pra silhueta da estrada sem saber onde estava. Demorou cerca de três minutos para descobrir que aquilo não era filme. No volante, uma garota ensandecida dirigia. Melhor, parecia tentar suicídio.  Dirigia em alta velocidade fazendo curvas, levando o corpo dele de um lado para outro. Poderia tirá-la do volante e jogar a maluca para fora. Só então percebeu que mãos e pés estavam atados. A ideia de um sequestro parecia ridícula. Mas não improvável.
- O que você quer fazer? Leva meu dinheiro, vai!  
- Eu não que-você não entende! Nós...nós vamos ser felizes! 
- QUÊ? 
-Eu soube desde que você entrou naquele lugar. Eu... 
O estranho se movimentava no banco traseiro. Mais alguns minutos, estaria recuperado e perfeitamente capaz de tomar o volante. Sabendo disso, Sin virou à esquerda, tomando o rumo de uma estrada de chão que não parecia levar a lugar algum. Avançou o suficiente para que não fosse percebida, parou o carro e desceu. O homem não entendia nada. Quando juntou as peças do quebra cabeças, só pôde sentir um baque na parte superior da cabeça. A noite ficou mais escura. 
*** 
O segurança perdera o carro de vista. A doida mal sabia dirigirensinara o básico, apenas o suficiente para que fosse sozinha até a farmácia mais próxima e, ainda assim,  escapara. Parou em um posto de gasolina para abastecer e perguntar se ninguém ali havia visto um carro chique em alta velocidade. Até então, nada. 
*** 
Com o problema desacordado, pôde dar continuidade ao (inexistente) plano. Deu uma olhada no carro: checou porta-malas e porta luvas. No primeiro, encontrou dinheiro que ele oferecera pela liberdade, o suficiente para que passasse algum tempo confortável. No segundo, papéis de divórcio. Ele largara a esposa para fugir com uma stripper barata. Corajoso, mas traidor. Voltou à estrada. 
Tornou à rodovia, tão nervosa quanto antes. Ele traíra a esposa, ele...não era bomForçou o pé no acelerador ao pensar no que faria se fizesse isso com ela. No mesmo momento, passou por um posto de gasolina velho e lembrou que teria que lidar com um tanque vazio e um provável futuro marido infiel. 
*** 
Um carro lançava-se à pista em alta velocidade quando Rodrigo pagou o combustível. Ela estava ali. Voltou à estrada tão ensandecido quanto a motorista do carro seguido.  
*** 
Não sabia para onde estava dirigindo. Só carregava, além das roupas do corpo, a certeza de que teria de ser um lugar longe. O estranho parecia acordar no banco traseiro, resmungava algo incompreensível. As coisas complicaram um pouco mais quando percebeu que estava sendo seguida. E o idiota ainda buzinava feito um louco. 
Tentou despistá-lo ao cortar os carros pelo acostamento, não adiantou. Infringia mil leis de trânsito sem saber, mas não importava. Retornou à pista, cortou o carro da frente e quase deu de cara com um caminhão. Desviou de maneira sublime, com a leveza de uma dançarina de balé. O perseguidor, que tentou o mesmo movimento, não deu sorte e chocou o veículo, fazendo barulho suficiente para acordar e assustar o passageiro. Sin não parou, mas olhou para trás para verificar os estragos. Quando voltou os olhos para a estrada, foi a vez dela de se chocar, mas contra as árvores. Não percebera a curva que iniciava acabou por jogar o carro em meio a um barranco. O veículo resvalava em pedras e galhos, mas só parou quando se chocou com um grande tronco, destroçando sua frente. Por algum golpe de sorte (ou momento único de lucidez)Sin havia se jogado para fora pouco antes da batida. O passageiro estava machucado e gritava. Ouvia sirenes, mas nenhum indício de ajuda. A mistura de sons a impedia de pensar, teria de calar algum dos dois. Encarou o porta malas que, aberto com a pancada, exibia a mala com dinheiro. Nela achou uma pistola e também um celular. Chorava. As lágrimas se tornaram torrenciais quando usou o primeiro item Um tiro singular, exato, perfeito. Sorte de iniciante. Largou a arma na bolsa e mexeu em todas as funções do celular até encontrar a câmera. 
Hmmm, o-o-o-i....Quer dizer, ahn...oi. Quando vocês encontrarem esse vídeo, saberão que eu fiz algo...errado. Mas....eu espero que entendam....e-eu tinha de fazer.Ele...ele n-não parava...então...eu fiz. Ele...não entendeu que, que se colaborasse...as coisas sairiam diferent-melhores. O corpo se mexia, veio o barulho e...o silêncio. E-eu sinto muito.” 
Tomou a mala e caminhou até a estrada. Quando estava longe o suficiente de toda a tragédia, pegou uma carona. 
*** 
Um mês depois, foi encontrada na capital. Morta. Surrada, com sinais de abuso sexual e atingida pela mesma pistola que usara em uma fatídica sexta feira. Sobre Cíntia, nada disseram. Identificaram o corpo como sendo o de uma das garotas da região que atendia por Sin. 
Sobre as investigações da morte nada dizem. Somente acreditam que foi vítima. Vítima de um vigilante sábio o suficiente para cobrar os pecados de uma alma que jamais seria salva. 


Ps.: o título do conto se refere aos versículos 14 e 15 do primeiro capítulo de Tiago que você pode ler aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário