quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

T. 1:14 -15 - II/III

Ouça: Mermaid Motel - Lana Del Rey
            Nas velhas caixas do som do salão ecoava a última música da noite. Era uma dessas canções antigas em inglês que tocavam no rádio durante a noite e que falam –surpresa!– sobre amor. A escolhida, na verdade, era sobre alguém que não quer se apaixonar. Havia escutado quando se dirigia ao motel pela primeira vez. Estradas, previsões para um futuro brilhante e uma parada em uma estrada de chão. Depois de esbarradas nada sutis na perna da moça, o rapaz que a levaria até os palcos revelou as segundas intenções. Anestesiada pelas promessas de sucesso, Cíntia deixou-se levar. O que era sobre o não-amor agora lembrava bancos traseiros, casos inconsequentes e vinha embalado em forma de Rodrigo, o segurança do “A Dois”.
            Enquanto ela se distraía com as batidas delicadas encarou a plateia. Meia dúzia de gatos pingados: pervertidos sem grandes recursos, alguns caminhoneiros em busca de diversão e...ele. Uma sombra cruzara a porta e permanecera por lá até por algum tempo. A sombra caminhou até a mesa mais próxima da saída. A cada passo a figura se revelava: cabelos grisalhos e olhos negros, porém gentis. Como os bons moços dos filmes que via com as garotas durante as tardes livres de sábado. Bonito, misterioso, bem vestido e com algum dinheiro na carteira, mas isso era mero detalhe. De repente, Sin sentia que o mundo poderia girar em torno dele. Por conta desse pensamento gaguejou a última linha da música –nobody loves no one–como se não acreditasse nela (embora desconhecesse a tradução). Encheu os pulmões de ar, acenou com a cabeça para a plateia, desceu do palco e encaminhou-se ao bar fazendo questão de passar ao lado do estranho que, delicadamente, fez um gesto para que ela se aproximasse. Sem pensar duas vezes, respondeu o chamado mudo e também obedeceu quando ele apontou a cadeira para que ela sentasse. De longe, Rodrigo observava tudo.
          Encarou o estranho por cerca de dois minutos, encantada. Não sorria, esperava que ele entendesse tudo que havia nos olhos dela. Naquele momento, não era Sin. Era a Cíntia que nunca ninguém conhecera: ingênua, pura e com o coração a dar pulos no peito. Não sabia o que era amor, mas devia ser algo como a vontade que sentia de ir embora naquele momento. Vontade de ir embora, de ver o mundo todo. Vontade de ir embora, mas de ir embora com ele. O homem nem parecia ligar, assim que ela se sentou deu apenas uma boa olhada. Belos olhos, um corpo de ampulheta que se movimentava graciosamente conforme a música e os seios ainda firmes. Não muito diferente da menina que se balançava no queijo à direita –a última ainda tinha a vantagem de ter todo o corpo exposto. Como num restaurante chique, a carne era exposta para que o cliente escolhesse e degustasse ali mesmo. Por uma quantia razoável era possível escolher e levar uma garota por algumas horas a um dos tantos quartos. Por um momento achou a sacada do estabelecimento genial. Até lembrar-se do motivo que o levara ali.
            – Ei, qual o seu nome, garota?
– Cínt... –saíra do transe sem notar que jogava as cartas na mesa sem o menor cuidado-Sin.
– Cantas bem. Hm-m–pigarreou limpando a voz, tornando-a objetiva– Sabes onde posso encontrar Jessy?
– Jessy?
– É. Morena, olhos castanhos...-percebendo que descrevia grande parte das garotas que deveriam passar por ali tentou refinar as referências–a garota de quinta feira?
– Ahn...ela...
            Então era isso. O homem não entrara ali por acaso. Também não entrara para a fila dos que daria a vida por uma noite com ela.  
            – Jes-Jessy vem amanhã, acho que ela esqueceu de lhe avisar. Pode voltar?
O homem saiu dizendo que  tudo bem, voltaria amanhã, até aí sem problemas. O que ele não sabia é que Jessy não trabalhava mais ali. Nem que a noite seguinte ia ser muito diferente do que imaginara.

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