Ouça: Fordham Road - Lana Del Rey
“Hmmm, o-o-o-i....Quer dizer, ahn...oi. Quando vocês encontrarem esse vídeo, saberão que eu fiz algo...errado. Mas....eu espero que entendam....e-eu tinha de fazer.”
“Hmmm, o-o-o-i....Quer dizer, ahn...oi. Quando vocês encontrarem esse vídeo, saberão que eu fiz algo...errado. Mas....eu espero que entendam....e-eu tinha de fazer.”
Sin encarava o espelho. Os olhos castanhos brilhavam, o cabelo caía em cascatas até a altura das omoplatas. Trajava o melhor de seus vestidos. Cheio de paetês que alternavam o brilho conforme a luz os atingia. Atrás de si, três garotas nuas andavam, procurando por sapatos ou peças íntimas.“Sin, dois minutos!”, disse o rapaz que colocou a cabeça para dentro do cômodo onde estava. Dois minutos, apenas dois para que tomasse o palco.
Sin, na verdade, era Cíntia. Cíntia, a menina do interior, filha de pai bêbado e mãe beata. Cresceu numa casa pobre em decorrência do vício do pai, que morreu quando ela tinha sete anos. Foi encontrado em uma vala algumas horas depois de ter deixado o bar que costumava frequentar. Até hoje ninguém sabe dizer o que aconteceu. Enquanto o pai era um desvairado, a mãe mostrava-se como uma santa. Cuidara da educação religiosa da pequena assim que a pegara no colo pela primeira vez, sonhando que, com alguma sorte, a menina se tornaria freira na cidade vizinha. A matriarca, porém, pregava valores que não era capaz de seguir. Numa noite de segunda, Cíntia deu por falta da mãe. Procurou nos arredores da pequena casa e a encontrou. Também encontrou o vizinho no meio das pernas da mesma. Tinha dez anos e, como não foi capaz de compreender o que acontecera, saiu correndo. Só mais tarde entendeu que a mãe se entregava aos prazeres proibidos como forma de colocar o pão na mesa das crianças.
Quando adolescente, por volta dos quatorze anos, foi a vez dela de descobrir os prazeres do corpo. O filho do vizinho –aquele mesmo que vira com a mãe em uma segunda feira de seus dez anos– a tomou debaixo de uma mangueira, quando os adultos foram até a cidade. Aos quatorze descobriu também, em uma ida à capital, o amor pela música. Quando passava frente a uma loja de eletrodomésticos encarou o televisor e a moça que cantava. Parecia uma sereia, com o vestido brilhante feito escamas. Soube ali que aquela era a vida que queria. Começou a cantar durante os domingos na igreja, fugindo logo após a missa para beijar os garotos que faziam fila atrás da sagrada casa de Deus.
Aos dezessete foi pega pela mãe quando se agarrava com rapaz desconhecido na sala de casa. “Filha minha não faz isso!”, gritou. Não bastasse a decepção que causara à família, ainda foi humilhada publicamente. A velha arrastou Cíntia pelos cabelos até a igreja da cidade, jogou também as poucas roupas da menina na rua. Expulsou-a de casa. Sozinha, sem ter pra onde ir, seguiu as direções que o coração mandava. Dessa forma, foi parar em outra cidade, também pequena, sem perspectivas, sem o futuro brilhante que tanto sonhava.
Conseguiu emprego como garçonete em uma lanchonete da cidadela. Costumava cantar enquanto limpava mesas e o balcão do estabelecimento, chamando atenção dos fregueses sem perceber. Um rapaz que circulava ali e trabalhava na prefeitura percebeu o talento da moça e convidou-a para cantar na festa de aniversário da cidadezinha. Foi. E ali as coisas mudaram. Assim que deixou o palco foi abordada por um homem de meia idade que lhe ofereceu emprego de cantora em uma cidade mais afastada. Deslumbrada, Cíntia aceitou. Assim que pôs os pés no lugar, descobriu que seria cantora de um motel chulo de beira de estrada. Era tarde para voltar atrás, pensou. Ao menos teria um lugar para dormir. Prometeu para si que sairia dali o mais rápido possível. Quando se deu conta, já havia completado 22 anos.
Cíntia, a menina do interior agora era Sin, a cantora de motel de beira de estrada. Sin, pecado. A estrela do “A Dois”, a dona dos palcos. A garota mais disputada. E a mais inacessível.
Até o dia em que uma sombra cruzou as portas daquele lugar.
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