terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Rua -25. ......,-... ....84 – II/II

I
Ouça: relationshit - godheadSilo
             
Aquela rua que fora alvo de gozo e dor agora não passava de uma rua qualquer do centro da cidade. Os corpos pareciam os mesmos de 25 anos atrás, os rostos cansados também. Se desse sorte, poderia cruzar com sua Joana no próximo cruzamento.  Com os pensamentos nublados, subiu um lance de escadas e entrou no antigo cinema adulto que agora não passava de uma casa barata de (in)tolerância, sem os amores ou as lembranças que um filme francês seria capaz de prometer. Foi ao bar, pediu whisky e encarou o copo quente, sem desejo de sorvê-lo. Era mais ou menos como a vida. Um uísque barato, quente e insípido servido num copo caro, só pra distrair o cliente acerca das qualidades da bebida. Frente a possibilidade de mais reflexões, engoliu o líquido de uma só vez, largou o dinheiro no balcão e saiu.
                Ali fora, uma vitrine de corpos se mostrava por dinheiro e um pouco de prazer culpado. Aproximou-se de uma mulher de belas pernas, perguntou quanto custava. Assustou-se com a inflação ocorrida ao longo dos vinte e cinco anos e pensou até em tentar achar o lugar que oferecia uma garota e uma bebida por cerca de quarenta reais, mas cedeu. Ela, numa voz rouca, disse que os programas eram feitos no hotel cuja entrada era uma imperceptível porta, do outro lado da rua. Atravessaram o espaço entre carros e subiram ao quinto andar. O quarto era tão desprovido de cuidados quanto os demais prédios da rua, um reflexo de toda a lamúria que havia ali. Jaime largou o dinheiro em cima da cômoda enquanto a mulher ia ao banheiro. Sentou-se na beirada da cama, cruzou as mãos sem saber como agir. Tinha novamente quinze anos, a cara e a alma cheia de espinhos. Nada mais patético.
                Quando a mulher voltou, pediu que ele retirasse as roupas. Começou pela gravata. Não a encarava, apenas se concentrava na difícil missão de arrancar a capa que lhe protegia o copo. Impaciente, sua companhia bufava, ele se enrolava ainda mais. Encarou-a pela primeira vez. Tinha rugas, olhos pintados de azul e unhas descascadas em um tom escarlate. Era forçada. Ela virou e se apoiou na janela. Ao encarar a moça, sentiu-se enganado, tal como se sentira quando as principais mulheres de sua vida largaram seus corpos físicos. Elas também eram forçadas. Carregaram em suas curvas mentiras e em seus lábios o canto de uma sereia disposta a levar o marujo que era ele pro fundo do mar. Disse para si mesmo, no exato momento em que a cólera lhe subia pela garganta, que não afundaria. Não passaria por aquilo mais uma vez. Tomou o abajur mofado da cômoda e acertou a nuca da mulher. O corpo, que estava inclinado, desfaleceu, ficando preso entre a janela e a parede. Jaime pegou a mulher pelos pés e impulsionou o corpo, que encontrou a calçada com um tom seco. No batente, notou marcas de sangue e de sexo seco de outros que haviam estado ali. Respirou, e quando deu por si, nenhum sentimento raivoso lhe invadia o peito.
                Deixou o dinheiro na cômoda. Daria, ao menos, para garantir o pagamento do quarto. Ou uma roupa nova para o funeral. Pegou a gravata, única peça que conseguira retirar e deixou o quarto. Viu o círculo de jovens rebeldes, putas e travestis em torno daquela que deveria de dar prazer por uma noite. E deu. Respirou mais uma vez. Inalou a mistura de carbono, chuva e calma. Pouco importava o que aconteceria. Pela primeira vez em muito tempo tudo estava bem

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