segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Rua -25. ......,-... ....84 – I/II

Ouça: Every Day Is Exactly the Same - Nine Inch Nails


Não passava da meia-noite. A cidade cinza se tornava ainda mais mórbida sob os efeitos da garoa fina. Nada fora do normal. Chovia como se a província houvesse sido terrivelmente magoada. Quase tanto quanto Jaime fora. Marina tinha partido há alguns anos, mas a dor permanecia ali. A esposa havia sido arrancada da vida de forma estúpida, mas não era isso que mais lhe incomodava.

Dois meses antes de encontrar abrigo a sete palmos do chão a mulher revelara a traição. O orgulho foi ainda mais ferido quando descobriu que o amante não era Fernando, o colega de trabalho inconveniente de quem a mulher vivia falando, mas a mulher do rapaz, Sílvia. Das duas vítimas, Jaime era o que mais havia sido atingido: após Marina ter cortado relações com a mulher, a vida dos dois se tornara um vívido inferno. Sílvia passara a mandar cartas e ameaças ao amor mal resolvido. Em pouco tempo, as ameaças evoluíram para atos agressivos e no carnaval de 2010, Marina fora atropelada por aquela que uma vez lhe jurara amor eterno. Morreram as duas. A primeira devido aos ferimentos do acidente, a segunda pouco tempo depois em uma cela suja, enquanto cumpria a pena por crime passional. Durante esse tempo, Jaime permaneceu em seu apartamento, paralisado pelo luto e, mais ainda, pelo orgulho dilacerado. Cada pedaço daquele lugar era um pedaço da mulher que amara e jamais voltaria.

Cansado de voltar ao cubículo há tanto tempo vazio, decidiu se aventurar pelas ruas da adolescência. Cerca de vinte e cinco anos atrás ainda era um jovem atraente e sempre recebia provocações das mulheres que ali comercializavam seus corpos em troca de um valor simbólico, o necessário pra seguir com a vida. Joana, uma das mais experientes do “mercado” foi sua primeira. Numa tarde de terça feira, disse à mãe que iria estudar com uns colegas que moravam um pouco além do colégio. Mal sabia a mulher que seu caçula se aventurava nos ensinamentos do corpo. E do amor. Joana, aos 30 anos, mantinha o corpo firme. Era a preferida dos homens que investiam seu tempo –e dinheiroem prazeres proibidos. Do menino Jaime nada cobrava: era novo, ingênuo e um ótimo pupilo, desses que agraciavam seus mestres com pequenos mimos. A balzaquiana apreciava as atenções do rapaz, considerava-o como o filho que não teria. Quando nova, tivera o corpo imolado por aquele que julgara ser seu primeiro amor. Ela engravidara, mas fora obrigada a, como o charmoso homem disse: dar fim ao problema. Isso causou-lhe danos, impedindo-a de construir família, como sonhara com a mãe. Carregava as cicatrizes no corpo, mas cortes profundos na alma. Estes sangraram quando, aos trinta e três anos, o homem, então de meia idade, retornou, contando-lhe da família e dos três filhos. Joana, que nunca soubera superar a antiga história, engoliu comprimidos com álcool para apartar as dores da alma. Fora a primeira perda de Jaime. 

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