Ele bebia mágoa. Das enormes. A
guria que há tanto tempo destoava a pouca atenção que ele empregava nas coisas tinha
partido. Com pés de algodão e a porcaria do silêncio, tão característico entre
as conversas a dois. Então bebia. Um coquetel de mágoa, dúvidas e más
impressões.
(***)
Em algum lugar, ela não bebia. Não
dormia e vivia sob as regras automatizadas de uma vida adulta recém-imposta. Já
nem sequer pensava. Apenas carregava um livro e 2 ou 3 histórias não escritas
que a faziam esquecer a atenção e causavam tropeços a toda hora. Tropeços. Na
calçada e na vida.
(***)
Adiantou a compra de um mapa, passagens
e uma mala. Não sabia ao certo que colocaria ali. Só tinha certeza do que não
poderia levar. Não: os filmes partilhados, os livros trocados e as palavras
embaralhadas de dois. O roteiro dos (des)encontros, muito menos. Levaria outras
histórias, curiosidade pra absorver o mundo paralelo e páginas novas. Fechou o
zíper, colocou os fones de ouvido. 6 horas.
(***)
Pensava, a todo o momento, na
metáfora do balão que, uma vez solto, se prende uma árvore e fica lá, atado. Imaginou
galhos extensos, uma árvore alta. Vertigem. Tinha medo de altura.
Temeu. “Quanto tempo aguentaria lá em cima sem estourar? Sem
murchar? E se acontecesse alguma dessas coisas, quem recolheria o pedaço
flácido, inútil de plástico no chão?” Ninguém.
Pensou em ligar pra alguém. Mandar uma mensagem. Sinal de
fumaça. Mordeu o lábio, pensando em quem poderia entender uma metáfora tão
boba. Pensou em chamar o único que entenderia, fazendo um discurso informativo
sobre boas maneiras de se evitar a dona morte. Pareceria cínica, mesmo que não
quisesse. E não. Não poderia. Sabia que ela estava ali, continuaria ali, com os
mil “poréns” que tinha nas mãos, enquanto ele não mais. Não depois de...
(***)
Silêncio. Silêncio. Silêncio. Três
vezes. E outras dez vezes mais. Reviveu outra vez a última conversa. Não eram
os mesmos silêncios. Só então entendeu que ela já estava perdida, possivelmente
em um poço, quinze outros lugares. Ele não poderia esperar, não ali, não agora.
Não mais. Tomou a mala e foi.
(***)
Calaram. E assinaram, sem saber,
um contrato. Sem páginas, testemunhas ou fundamentação. Só uma cláusula que
dizia: not now, (maybe) later.
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