sábado, 22 de novembro de 2014

Armadura

Ouça: Camarillas - Damien Rice

There’s no one to ask
How long this will last
I’ve shaved the silence
But it keeps growing back

Não é o efeito do álcool. Ou de drogas. Ou a música que toca no fundo. Também não é resultado de um bom dia. Aliás, os dias tem sido errados até agora. A culpa é da garota que se balança no bar.

Anna. A guria que ri enquanto o rapaz passa o braço pela cintura estreita, erguendo a mão com a cerveja, repetindo o movimento da pequena. Cantam o refrão de alguma banda pop demais, mas não tão vendida quanto as que tocam 5 vezes seguidas nas rádios. Sinônimo de iceberg contido num corpo pequeno demais. Anna. Que balança os braços e é puxada por outro cara. Também um amigo, nada parecido com o anterior. Ela bate palmas, ri mais uma vez.
Quando conheci Anna, ela ouvia a história de uma senhora, dessas carentes demais e que puxam conversa na fila do transporte público. Perguntava mais a respeito, ainda que a senhora falasse só aquilo que realmente queria. Ela insistia, acenando e sorrindo. Não me notou naquela vez. Voltei a encontrá-la duas semanas depois, no aniversário de um amigo. Província.  
Nessa mesma noite, Anna visitou meu apartamento. Assim que entrou, encarou o cacto na mesa de entrada. Riu. Ria muito. Sempre fazendo conexões que pareciam existir só na própria cabeça. Disse algo sobre ter deixado um cacto morrer, carregar o peso da incompetência de cuidar de algo tão simples. Sofreu por meses, até descobrir que, na verdade, a mãe tinha recolhido e realocado no jardim da casa da família. Naquele momento, percebi que gostaria de conhecê-la. Em sentidos mais amplos que os do corpo.
Ela parecia querer frustrar meus planos. Deixou que conhecesse o corpo, por semanas. Armou-se de silêncios e me fez entender que o difícil mesmo seria fazê-la ficar. Dar calma à alma livre, segurança pra que voltasse e fizesse porto: no apartamento ou no meu peito.
Do outro lado do bar, Anna me encara. Enquanto vira sua cerveja, deixa que um dos caras ao lado diga algo em seu ouvido. Ele sai. Sem tirar os olhos de mim, ela também deixa o lugar. Passa ao meu lado, calada. Sem olhar para trás, vai embora.

E, na próxima noite, sem dizer nada, ela volta. Mais uma vez.

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