Ouça: Have You Seen - Sharon Van Etten
Esbarraram numa das vielas de uma das avenidas alcóolicas
mais movimentadas da cidade. Não se viam há tempos e, ainda que no escuro,
notavam as mudanças sutis do período que passaram afastadas. Podiam ter seguido
cada qual com companhias embriagadas, mas julgaram ser aquele o tempo de pingar
os i’s e resolver as pendências. Sentaram no meio fio, mastigando o silêncio
encoberto pelo som de vida que saía dos bares.
- Dia desses te vi por aí. Falavas com alguma dessas gurias
que arrastam lençóis e correntes na tua vida. Te agarravas no cigarro (já te
falei pra largar suicídios lentos!)...
- ...e?
- Não quis interromper. Então cruzei a calçada e segui meu caminho...Veja bem, eu segui meu caminho...
- Não quis interromper. Então cruzei a calçada e segui meu caminho...Veja bem, eu segui meu caminho...
- É, tua ausência deixou isso claro...
- É...aí tropecei numas bitucas e garrafas como essas no
chão, conheci uns colchões...
- ...
- E tu ficaste mastigando mágoa.
- Não é como se eu não conhecesse a cicatriz que você
deixou. Outros colchões me acalentaram também...
- Eu sei. Você é forte. Mas foi desnecessário...porque...
- ...por quê?
- Eu tava lá e aqui, o tempo todo. Aí eu me distraí, comecei
a trajar lençóis e fazer parte das tuas assombrações...
- Não assombro tua vida?
- “Dos mares em que naveguei, meu maior arrependimento foi
de não ter afundado em você”. Aqui não tem mágoa, moça. Só desencontro.
- E o que eu faço com isso?
- Tô aqui, só não como antes.
Diante da retórica sincera e dolorosa, a garota levantou,
deixando a outra logo atrás de si.
- Metades...não quero.
- Não é isso. Tô aqui e isso significa uma parte inteira. Só
não é da forma como tu queria, como eu quis...
- ...
- Então...?
- O que eu faço com isso?
- O que eu faço com isso?
- Cê que sabe...-a jovem diz, já se afastando- te entrego a
arma e você decide se puxa o gatilho.
A outra não disse nada.
E, como de costume, deixou que o silêncio respondesse por
si.
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