Malas que não chegam. Táxis lotados. Chuva. Check in. 30 minutos para o jantar. Peregrinação nos três bares mais interessantes da cidade. Um número de telefone dum tal Lorenzo. Cama. Seis e vinte e sete da manhã. Casaco, bloco, caneta, gravador. Uma xícara de café. Sem açúcar. Mais um táxi. O entrevistado não chega. Tiram fotos do lugar. Dá pra usar na matéria, mais tarde. O cara chega. Fala por meia hora da obra. Da cidade. Das mulheres. Da vida. Pede para ver algumas das fotos. Certifica-se de ter saído bem no vídeo. Fotogênico. Agora a bolsa tem também o número do artista. Canalha. Voltam para o hotel. Engolem qualquer coisa. Pegam os equipamentos, visitam os lugares coletados no trabalho da manhã. Tornam ao hotel. Trocam as roupas. Mais alguns bares. Outros drinks. Sabores diferentes. Gente diferente. Fria, sisuda. Tornam aos seus quartos. Malas. Check out. Acompanha os colegas até o táxi.
A viagem começava ali. Foi o que lhe disseram.
Não sabia bem o que fazer numa cidade daquelas. Ruas iguais, pessoas indiferentes e pontos turísticos demais. Evitaria-os. Situação extremamente fácil de se lidar às 4:11 da manhã. Não tinha sono. Voltou ao quarto, pegou o que achava necessário e saiu.
Cidade das luzes. Não sabia bem como tinha chegado até ali. Quer dizer, sabia. Fora designada para uma matéria relâmpago: entrevistar um artista de sucesso instantâneo que estava passando uma temporada em busca de inspiração para novas obras. O-k. Não era essa a questão. Não sabia, ou melhor, não lembrava exatamente porquê escolhera aquele caminho. Jornalismo. Poderia ter escolhido a faculdade de Artes. Ou Direito. Poderia ter escolhido qualquer coisa. Era competente. E não tinha escrúpulos quando se tratava de conseguir o que queria. O passaporte cheio de carimbos atestava as vontades. O apartamento vazio -a casa-, também era atestado, mas das consequências.
Não tinha tempo, alegava. Trabalhava mais horas do que o necessário. Amor não estava na pauta do dia. Relações exigiam demais. Mais tempo. Explicações. Compromissos inadiáveis. Urgências. E com esse último fator ela nunca soube lidar. Enquanto caminhava, lembrava de quando conhecera...o rapaz. Não pronunciava o nome. Não podia. Dizer aquele punhado de letras era dar vida ao que não...não foi. Encontraram-se mais vezes do que pôde ser contabilizado. Frequentavam os mesmo lugares, partilhavam gostos semelhantes. Poderia dizer que dividiam as mesmas dores e cicatrizes, mas nunca chegaram a saber disso. Eram adultos, mas quando se tratava de avanços, jogavam. Quase como na película em que quem possui a lata tem o direito de desafiar. Quando pensavam que haviam avançado três casas, retornavam ao início. (Se) Perderam. E ele foi embora. Mastigando o próprio orgulho, ela se resignou a fazer o mesmo. Dobrou as horas de trabalho. Não lembrava de amor ou paixão ou interesse ou obsessão quando lhe perguntavam sobre os deadlines. Então, não era importante. Exceto agora ao lembrar dos fracassos justo quando cruzava a ponte dos cadeados. A que assegurava o amor eterno (mas não a travessia segura dos transeuntes, aliás, ninguém liga para isso, não é?). Olhou o Sena. Mais à frente, a Neuf. Ponderou entre se jogar dali ou caminhar até a ponte mais antiga. Poderia ficar lá: desenharia até tornar-se cega. Encontraria alguém capaz de se importar com ela a ponto de rasgar cartazes e atear fogo em outrem só para mantê-la ali. Riscou da mente tal plano: a vida até poderia aparentar, mas não era um filme francês sobre -adivinhem- amor e dependência. E, de qualquer modo, não lembrava em nada Binoche. Afastou qualquer pensamento que beirasse o irrealizável e ficou ali, a mirar o rio.
Voltou a si quando um homem -simples, mas simpático, raridade num país daqueles- a abordou. Não disse nada. Só ofereceu um cadeado e uma caneta. Olhou ao redor, lembrou-se de onde estava e compreendeu o ato. Tomou os objetos e entregou uma quantia ao homem, que saiu sem conferir as notas nem olhar para trás. Pensou no que escrever. Considerou pôr o próprio nome e a palavra vida. Desse modo, talvez, nunca mais teria de lidar com todas as chances de desistir da mesma. Escreveu o próprio nome. E o nome do rapaz, intocado há tanto tempo. Prendeu o cadeado em uma das grades e saiu.
Voltou ao hotel. Malas. Check out. Aeroporto. Passagens.
Só no avião parou para refletir no que havia feito. Não travara o aloquete. Não ficariam juntos. Sobrara espaço no que era pra ter encaixado de forma perfeita, qualquer um poderia pensar. Não ela. No lugar do vazio ela deixou só o desejo: vê-lo voltar.
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