sexta-feira, 27 de junho de 2014

Transparente

Ouça: The Maccabees - Slowly One


Encaravam as pedras da calçada de petit pavé. Ninguém ousava quebrar o silêncio, de modo que os únicos sons ali eram os da cidade: o trânsito calmo das noites de domingo, os murmúrios dos que permaneciam nas ruas, a respiração dos dois pesada pela alteração do clima...


- Então...
- ...
- O que você quer?
- Oi?
- Tudo bem? Vou bem, e você? Tô ótimo também, obrigado, de nada.
- Não, ô, besta. Eu entendi. Mas você se refere a...
- Uma cerveja, deitar nos trilhos do trem e vê-lo passar, ir pra casa dormir, fugir comigo...
- O que estamos fazendo?
- No momento, tô tentando descobrir o que você quer e você aí dando voltas. Esquiva.
- Não, você entendeu. Perguntei o que estamos fazendo...sabe, a gente...
- A esquiva aqui é você.
- Não foge. Me ajuda a descobrir a resposta.
- O que estamos fazendo? Alimentando esse espaço entre dois que dá pra quebrar com uma marreta, eu diria...
- E-eu...sei. Mas você não respondeu a pergunta. E eu preciso saber...
- Saber? Tem alguma teoria?
- Tenho. Tem tempo?
- Todo.
- Olha, eu preciso saber o que estamos fazendo pra saber qual lugar você ocupa na minha vida...
- Você sabe que eu não vou te forçar a me acolher e me encaixar nel...
- Não. Eu quero. É esse o problema. Quer dizer...eu preciso que você entenda que...existem duas frentes na minha vida, sabe? Uma delas me faz querer o que é calmo, certo e cheio de garantias, embora eu deteste todas elas. Todas. Ela me faz querer palavras claras, nenhum jogo. E existe a outra parte é a que machuca e cicatriza. Eu não tô falando de sair por aí batendo portas e gritando aos quatro ventos...é que...essa parte me destrói. Mas se refaz. E me deixa com vontade de ir embora todas as vezes que eu não sei nada. E me faz voltar pra procurar uma certeza escondida, sei lá, debaixo das pedras, jogada num bueiro. Me faz dar volta, me impulsiona a buscar o que eu quero, embora eu nem saiba o que é.
- E eu? Me encaixo numa dessas duas coisas?
- Talvez na segunda parte. Não porque você me machuca, mas porque o que está ferido em você me atrai. Nossas cicatrizes são parecidas e eu nunca encontrei alguém que entendesse a grandeza disso...
- Mas?
- Mas...eu preciso da calmaria. O que eu tô tentando dizer é que essas duas frentes não se encontram no mesmo lugar. Eu preciso abandonar o caos pra encontrar a calma. Eu vou, mas volto.
- Você tá falando de fidelidade?
- Lealdade, correção. Eu quero mais do que é socialmente aceitável, por isso dou um tempo, vou, tomo as doses do que eu preciso, volto. Exploro (tempo, corpo e alma) lá fora e retorno. Se tu precisares, chama, estarei perto. Só não consigo abandonar a dualidade.
- Bumerangue. Eu...entendo. A vida é meio que esse ir e voltar quando dá vontade e eu não entendo como as pessoas podem achar que isso é controlável com papéis, círculos dourados e rótulos. Por mais que eu queira te prender às vezes, eu entendo que é necessário encontrar e perder-se em outros lugares...
- ...
- Você perguntou o que estamos fazendo e eu respondo que estamos nos deixando levar até onde o barco aguentar...eu não sei se tô bem com isso, mas estou de acordo. Só preciso te pedir uma coisa.
- Fala.


- Não vai e volta. Fica. Só por hoje

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