Ouça: Keaton Henson - The Drowning
- Eu preferia a primeira versão...
Ainda eram jovens quando descobriram, um no outro, a vontade de pertencer para preencher seus vazios. Não passavam dos vinte e (muito) poucos anos, de modo que seus círculos sociais ainda agregavam memórias colegiais, paixões adolescentes e a péssima capacidade de escolher os bares nos quais beber.
As circunstâncias que propiciaram o encontro e como isso se deu não são relevantes. Sei que é comum, na história de um casal, florear sobre a primeira troca de olhares, o primeiro beijo, as estrelas que apareceram naquela noite (muito embora elas jamais ousem dar as caras no céu das grandes cidades)...Basta dizer que se cruzaram -não importa como ou onde- e se entenderam. De início, mais na cama que nos aspectos intelectuais ou emocionais. Mas, deixe-me primeiro apresentá-los aos nossos personagens.
Dela pode-se dizer poucas coisas. A primeira delas é que era um enigma. A estatura baixa e a magreza de um garoto na puberdade afastavam-na dos ideais expostos nas revistas masculinas e escondiam a maturidade de alma velha. Mas era um enigma e, portanto, carregava um magnetismo que poucos espécimes do sexo feminino conseguem ostentar. Não sei se isso se escondia no rosto de esfinge ou nos olhos de abismo, mas estava lá. E, disso, o rapaz sabia. Ele passaria despercebido aos olhos de qualquer um. Altura mediana para um homem, mas grande demais para o menino que habitava o seu interior, aquele que foi obrigado a crescer (física e emocionalmente) da noite para o dia. Tímido e munido de um sorriso calado, observava. Ainda na adolescência, descobriu que podia transformar os retratos das percepções diárias em palavra. Então, escrevia. Passou a escrever mais assim que a pequena lhe adentrou a vida e tomou o papel de musa que faltava em sua vida de poeta. Por entre noites, declarara da forma mais sublime o amor à mulher que lhe lançava sempre os braços ao pescoço enquanto feria com a caneta o papel imaculado. Não demorava muito para que o abraço evoluísse para carícias, papéis espalhados, versos por terminar e nenhum fôlego. Era como viver num sonho.
Como tudo que é convencionado na sociedade, decidiu, um dia, levar à sério os conselhos que os amigos lhe davam, embora tivesse dúvidas sérias sobre o assunto. "Lace aquela mulher", "tenha certeza de que será sempre sua", "tá na hora de dizer 'sim'". Não sabia se casava ou comprava uma bicicleta. Depois de muito pensar, optou pela magrela. Não a com quadro e rodas, mas a de olhos que seriam capazes de levá-lo para qualquer lugar do mundo.
Correu atrás dos anéis mais bonitos que seu bolso pôde bancar. E, num misto de ansiedade, medo e uma felicidade estranha, seguiu para casa levando no bolso a promessa de eternidade.
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