*Esse texto é uma versão alternativa de "Regressivo", publicado no blog Contos avulsos. Para ler a versão original, clique aqui.
Já era noite.
Eu resolvia assuntos da faculdade, pendências do trabalho. Absorta em mil
afazeres que agora tomam meu tempo, me impedindo de analisar a vida. Ou o que
ela era meses antes. Contas para pagar. Papéis, vários, é preciso protocol...Batidas.
Toques na
porta. Passos até a porta. Atendi...
"Eu voltei para você"
Apagão.
Você. Voltou.
Duas palavras e informações demais que nada tem a ver com os números e a falta
de tempo dos últimos meses. Nada. Ou com você.
Não te encarei,
mas abri espaço para que entrasse. Na casa, somente. Você se dirigiu ao sofá, eu
tomei a cadeira. Dez minutos. Dez malditos minutos. A casa permaneceu em
silêncio, contrariando o caos existente na minha cabeça. Calei, pois temia que as
palavras se libertassem da garganta em gritos. Externar o caos não resolveria
nada.
Nada. Minha reação frente à tua partida. Isso nos primeiros dias, mas disso não sabes. Os
dias passaram, trazendo consigo o peso da ausência, evidenciando a falta do
outro lado da cama ao acordar todos os dias. Quis aceitar tua necessidade de
liberdade. Juro que quis compreender teus anseios, mas tudo parecia vago
demais. Eu precisava dum motivo pra justificar tua partida e dar significado ao
adeus. Nada. Então, quebrando o silêncio, cuspi um "o que aconteceu",
"o que faltou". Destes-me um bocado de escusas que não aplacaram em
nada as dúvidas alimentadas durante alguns meses. Um discurso sobre liberdade.
Sobre lançar-se ao mundo para descobrir o que há lá fora. E voltar ao ver que a
solidão sufoca.
“Tem outro
cara”, soltei. Tudo que eu não queria dizer. Uma verdade, sim, mas dita de
forma impensada. A falta me moveu. Não esperava que entendesse, mas você o fez. Logo depois que
vociferei verdades floreadas sobre o rapaz queria chorar ou dizer que a
presença de um outro ajudava a suportar as noites frias, ainda que tenha
encontrado o apoio logo após de uma ou quatro doses de álcool. Não interessava.
Eu precisava de uma conversa franca, séria e da cabeça no lugar pra conseguir
absorver e rebater tudo. Algo impossível naquele momento. Nossos planetas foram
desalinhados e não se encontrariam naquele momento. Então calei. Optei pelo
silêncio pois tentar consertar só faria aumentar a pilha de besteiras que eu já
havia dito. Você corta dizendo que tudo bem, só precisa de suas coisas. Antes
que se dirigisse ao quarto e encarasse o retrato do que eu descrevi, disse que estava tudo na garagem. Te explicaria o motivo das mudanças, mas mordi os lábios e
respirei fundo, retomando todo o ar perdido minutos atrás.
Talvez
parecesse vulnerável ali, parada. De modo que teus lábios encontraram o caminho
dos meus. Tão bem quanto costumavam encontrar antes. Foi rápido demais pra que eu esboçasse reação. Ou pra que processasse os
fatos e fizesse algo. Nada. Me afastei. Abaixei a cabeça. Você tomou suas coisas.
Abri a porta e antes de sair, entreguei-lhe as chaves do carro.
"Leva o carro", digo, ainda bagunçada. "Leva e
cuida". Meu pedido mais sincero ecoou até que a porta batesse e você partisse, mais uma vez.
Cuida, por
favor. Cuida mais do que cuidou a mim.
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