sábado, 9 de setembro de 2017

Fade out

Ouça: Ana Muller - Aviso

"Ask him why he can't commit
Ask him. 
Ask him how he can say he loves you but not check on you everyday.
Why he can call you in the middle of the night but not first thing in the morning.
Why he can't say your name without splintering his tongue.
(...)
Tell him you don't trust him.
Tell him that he makes you crazy,
that his half ass'd attemps at security drive you mad.
Tell him.
Ask him why he can't stay.

Why he's commited to leaving but not commited to you."
Key Ballah



Nosso roteiro não possuía linearidade. Era composto de recortes: a lembrança das madrugadas, luzes coloridas, dedos entrelaçados, conversas no meio fio, o cumprimento com hálito de alcool um dia depois dos meus vinte-e-um. Pra te ver, vestia todas as minhas dúvidas enquanto você escolhia uma armadura dentre todos os figurinos que poderiam te cair tão bem. 

terça-feira, 11 de julho de 2017

Descontinuado


“quem foi que te convenceu. de que você ganhou um coração e uma cabeça que não pertencem a você. que suas ações não definem o que vai acontecer com você. quero gritar e berrar que somos nós seu idiota. somos as únicas pessoas que podem nos unir novamente. mas em vez disso eu sento quieta. sorrindo de leve pensando entre lábios trêmulos. é ou não é uma coisa trágica. quando você vê tudo tão claro e a outra pessoa não vê nada.” (Rupi Kaur)


Se não fossem as desculpas infinitas pela força das personalidades seria a incapacidade de comunicação. Ou a dificuldade de tomar decisões e verbalizar vontades. Desculpas. Traços imperfeitos justificariam as ausências, a distância, as inseguranças e, principalmente, o fato de não compartilharem o presente, quanto mais um futuro distante e míope que acreditavam ser impossível projetar.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

1906


Os erros não se apagam e, na minha vida, tem sempre algo relacionado ao esquecimento. Eles estão em todas as partes: na minha camisa favorita, manchada por ter deixado grampos dentro do bolso na lavagem. A cicatriz no pé esquerdo que surgiu da breve temporada no hospital. Você, cujos traços e sentimentos apaguei ao querer ser outra, melhor que eu. E agora sei que sou.

domingo, 28 de maio de 2017

Nada


Não teria sido diferente se tivéssemos nos conhecido antes do amargo do teu café deixar a xícara para te fazê-lo assim como homem. Era final de novembro de um ano que eu achava que não teria mais fim mesmo tendo sido pautado por eles. Você foi incógnita e, pelos deuses, eu quis tanto ser capaz de resolver. Quis saber da tua bagagem, de onde vinha, quem era e o que tinha acontecido pr'aquela poltrona estar vazia, me fazendo cruzar teu caminho da forma mais aleatória e abraçar impulsos. Tu eras maior que meu otimismo e ali, penso, deveria ter extraído significados que me impediriam de considerar toda a fragilidade dos “e se...?” dentro de uma narrativa. E dessas, eu sei. Escrevi uma após a outra na tentativa de categorizar e encarar possibilidades de forma sistemática. Confesso não ter atingido nenhum resultado utilitarista.

domingo, 21 de maio de 2017

Aviso


O mundo é muito pequeno, percebeste? Há quem sai da sua vida hoje às 14h para trombar contigo às 23h59 de uma quinta feira distante. Os amores cruzam a porta alegando que não voltarão e você os encontra no seu bar favorito depois do expediente. Com outros. Com outras histórias. Com uma versão cheia de updates que não rodam direito no seu sistema operacional. Mas você também tem atualizações, entendes? Podes ser tu a partir – a cara ou o coração – em 20 minutos ou menos ou, ainda, não ser capaz de corresponder àquilo que o outro conheceu de ti. Tem esse filme, um dos poucos que vi em muito tempo, em que o personagem principal retorna à casa e fala sobre as motivações que levam alguém a partir ou a voltar. Elas estão por aí se esgueirando nas roupas do armário, no amargo do café, nos detalhes de uma cena alheia que se vê tão clara por estar do lado de fora. Amarás. Digo quase que como uma maldição. Amarás e será sempre diferente, nunca menor. Em algum canto, sua mente será repleta de traços, olhares, cabelos e gestos que replicarás em estranhos que cruzam seu caminho, que esperam na fila do supermercado. Respiro fundo sempre. “Doeu, mas foi.” 
As pessoas carregam ausências.
Saber que eu fui a tua não anula a minha ânsia por acertos.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

A colecionadora


Pouco antes das 7h ele, o do lado, acende o primeiro cigarro. As cinzas se espalham, tomam conta dos cômodos vizinhos. No meu, o cheiro de café. Café, cigarros e um pouco de impaciência pelo fim do dia são a ordem inicial. 

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Prorrogação

“I was going to write you a poem, but then I didn't”
Eu ia te ligar, meses atrás,
ou escrever uma carta
pedindo pra ser peça da tua rotina sempre tão caótica.
Mas eu não fiz
Talvez por orgulho, um pouquinho de mágoa
e medo, muito medo
de ouvir outra vez sobre as incertezas
Logo elas que definem tanto do que eu sinto
e que mesmo assim deixam os sentimentos extravasarem

Ali, no dia dos meus anos, iria pedir desculpas,
mas não o fiz porque
Eu não podia carregar culpa alguma,
It's just not fair with the person I aim to be,
a que eu sou agora,
É que eu não posso carregar a culpa de ter desejado ser mais
e minha antes de ser de qualquer pessoa
ou aceitar como consequência o fato inevitável de crescer

“We've changed, honey boo”
O mundo passa,
as horas se desfazem
e seremos lembrados pelas falhas
“Seremos?”, eu digo
sabendo que de ti eu lembro, não por nostalgia
ou saudade, dos bons dias

"Mudou tudo, honey boo, 
e a distância entre nós não 
foi certamente a causa para toda a explosão."

domingo, 7 de maio de 2017

A vida privada das árvores

Ouça: Almost Blue - Chet Baker

“Oi, eu tô ligando pra dizer que...eu não sei...Quer dizer, sei. Ligo porque espero que as minhas mensagens te tragam, algum dia, de volta pro lado de cá. Isto é, se ainda as recebe. Imagina que engraçado seria se meus relatos fossem direcionados a um número novo de uma casa cheia de amigos que, semanalmente, se põem a ouvir o drama e discutem sobre a personagem estranha que vive a chamar alguém que nunca atende? Sei que é improvável, mas é melhor que falar a um número inexistente, esse adjetivo que cabe na gente – que um dia foi tudo.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Astenia


“Seremos sempre lembrados pelas falhas” a frase me veio à mente como se numa das conversas mínimas você a tivesse proferido “seremos sempre lembrados por isso: o que não fomos” completarias na tua ausência criei diálogos pra suprir a falta que achei que faria e que um dia ou dois depois do meu silencio aparecerias fosse na minha caixa de mensagens ou numa ligação esquisita de um bar com desconhecidos que passou a frequentar quando deixei a cidade mas nada outro dia e nada mais um e nada até que eu tomasse malas um ônibus e um punhado de horas pra voltar à casa e encarar um relato sobre aleatoriedades das quais eu jamais exceto essa por me encontrar tão cansada as pessoas continuam a aparecer, sabes? Pra um café uma cerveja um oi rápido entre-aulas-textos-trabalhos-responsabilidades que eu postergo e depois corro para por em dia eu disse que estou cansada? É de não saber de mim dos outros do que foi você já faz um mês desde a última vez já faz um ano que eu me recolhi pra me cuidar nesses dias tenho celebrado erroneamente uma série de marcos que lembram que dois passos para frente são três e meio pra trás e eu insisto não sei se por ingenuidade ou isso que chamam de fé e é exaustivo não ter um ponto no qual descansar pés ombros cabeça e coração e eu sei que sabes como é se sentir assim agora tenho duas semanas para refazer malas para sair de um lugar que não é meu e retornar ao que um dia foi e eu tô indo e não sei bem pra onde livros ótimos tem saído os filmes se acumulam e o meu álbum favorito do ano tem a frase “you're the earthquake I'm what's on the wall” e poderia ser sobre a gente sobre o casal que mora do meu lado ou de alguém que conheci há cinco anos poderia ser sobre tudo o que não foi por isso o que projetei em ti me volta: seremos sempre lembrados pelas falhas?

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Tramonto


F.,

Falho em calcular se já se foram 365 dias ou menos desde a queda. Ou desencontro? Após conversas recentes com novos personagens, penso que o termo é mais adequado aos acontecimentos. Absortos em nossas narrativas – eram tantas –, não percebemos que o erro era não estarmos na mesma página.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Zero

Ouça: Diga pt 2 - Fresno

“Não é nada”, eu disse em voz baixa da primeira vez que questionastes o que eu tinha afogando a vontade de ir embora no peito só pra ficar do teu lado.

domingo, 9 de abril de 2017

Caminhando na contramão

Ouça: Fascination Street - The Cure

Atravesso a Cruz Machado e lembro que lá nos encontrávamos às seis da manhã no silêncio pós caos no meio da semana. Já não tenho mais qualquer destino ou horário pra cumprir e ela sabe, me chama de forasteira. Ri da minha rebeldia calculada ao ver meus cabelos bagunçados acima dos ombros, diz que cai bem, que agora me encontro. A verdade é que eu me perdi e só estou ali porque, sem querer, quebrei a bússola.

domingo, 2 de abril de 2017

Murder, she wrote

Ouça: The Cure - This Morning
Tu, vítima. Porque ela partira sem nada dizer, porque tomara as coisas do quarto, porque mudara o rumo da própria vida sem te consultar. Nunca pelo abuso, pelo descuido com que lançastes palavras ferinas. Jamais pelos descasos. 

segunda-feira, 27 de março de 2017

Rascunho 0235 ou fragmentos de uma novela interrompida

Ouça: Ana Muller - Saturno

O corpo trêmulo, a cama vazia às duas da manhã, o silêncio e as ruas. Não fumava, mas precisava ter algo entre os dedos que não fosse tão etéreo quanto quem a acompanhava. Os silêncios criavam pequenos acordos de eternidade que duravam somente o espaço de tempo em que permaneceriam lado a lado. Duas, cinco ou sete horas, fossem três vezes na semana ou uma a cada três meses. 

segunda-feira, 13 de março de 2017

mensagem #1204

Ouça: I kinda miss you - Gracie Abrams

“É que eu percorreria as milhas até o ponto em que nossos caminhos se cruzam de olhos fechados e sem dar a mínima pros avisos de velocidade. Amanhã, agora ou depois, bastava me dizer ‘vem’ que eu iria sem malas, só com o coração aos pulos. Aí eu lembro daquela madrugada que você se abriu pros outros, se fechou pra mim e me deixou de fora, desconsiderando minha mágoa no dia seguinte e nos outros depois disso. Tento lembrar que não é sobre mim e é esse o problema: não sou a solução. Não há poema capaz de resumir o que não existe, café amargo nenhum nessa cidade - ou em outra - vai te fazer lembrar das mãos cruzadas sobre mesa e os meios fios não carregarão qualquer significado além de representarem um descanso conveniente aos momentos ébrios. Eu tô...cansada. É como bater nas portas da casa de uma cidade fantasma e esperar que alguém abra. E eu insisto. Depois de tudo, eu só queria dizer qu"

domingo, 5 de março de 2017

Attraversiamo

Ouça: Someone New - Banks


Habitavam o planeta Dois quando juntos, expondo a ocasionalidade de veranistas. Nele, abraçavam como dialeto principal o silêncio e o toque - dedos entrelaçados ou traçando as veias dos braços, os contornos do rosto, os nós dos cabelos. 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Tu

Ouça: Then Go - Damien Rice & Lisa Hannigan


Primeiro tu, segunda pessoa do (tão) singular, contaminastes minhas canções ao cantarolar distraído todas as estrofes mais doloridas. Depois, fizestes dos nós do meu cabelo o caminho perfeito pra enlaçar os teus dedos. Te abrigastes, então, no meu abraço, disponível 24 horas mesmo que o desejasses apenas duas vezes ao mês ou quando o vazio dos dias te esgotava. Mergulhastes nas minhas cervejas, redescobrindo meus bares favoritos. A cidade, minha, te coube tão bem que a estrangeira, descobri, era eu. 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Valentim


Posicionava-se sempre à mesma mesa, às 18h45 de toda terça-feira. Munido dos jornais do dia, repassava as notícias obsoletas das horas anteriores. Vez ou outra, trazia também o livro da semana e devorava as páginas acompanhado de um expresso sem açúcar. 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Depois de amanhã



É chegado o afastamento
Pela força do desejo
o longínquo
aproxima-se um instante
até que a proximidade
recua
o próximo distancia-se
e pouco a pouco
avizinha-se a distância
Tão cedo era tarde demais
Ana Martins Marques

Adiava o encontro como se, ao postergar o amanhã, amansasse aquilo que trazia no peito. Sentia muito. Não com o pesar de quem profere desculpas, mas com a intensidade de leões selvagens que tentam ser domados. A diferença é que ele seria devorado pela própria natureza e, uma vez digerido, acabaria só, outra vez.

sábado, 21 de janeiro de 2017

Permanência


“Ele me adora e eu vejo através dos seus olhos 
um menino que aperta o gatilho do coração 
sem saber o nome do que pratica. 
Ele me adora e eu o gratifico 
só com os olhos que o vejo. 
Corto todas as cebolas da casa, 
arrasto os móveis, incenso. 
Ele tem medo de dizer que me ama.
E me aperta e mão, 
e me chama de amiga
Luiz Carlos Lacerda

"Um casal se abraça à frente e as minhas mãos anseiam o toque dos teus dedos contra os meus em meio ao barulho nada ensurdecedor do silêncio que ganha amplitude quando estamos juntos e você repousa a cabeça nos meus ombros minhas mãos percorrendo cada centímetro dos fios do teu cabelo indo da raiz às pontas justo no momento em que fecha os olhos tu te perdes e sei que ali naquele momento tão breve és meu justo  quando não verbalizas e teus sentidos desvanecem e esqueces da vida quizá de mim eu hoje andei tanto tanto tanto que meus pés falharam mas andei um pouco mais até aqui para dizerque o peito não dá trégua e cada plano travado é uma forma de te fazer encontrar meu abraço mais adiante como que por descuido ou acaso seja na sessão de vinhos do supermercado ou no lado oposto da cidade onde habita e eu insisto em visitar por um motivo qualquer e não vês que tendo a ir embora que pode haver outro maior e mais claro que a ti que me prendo nos teus cabelos enquanto ele me prende em sinceridade e imensidão que aquilo que a ti escapas ao outro sobra quando me lê em meio a carícias que clamo qualquer sinal seja teu ou divino de que me quer aqui com todas as palavras e que deverias dizer que me quer aqui antes que percebas que estás a me perder qu"

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Dama

Ouça: Gardênia Branca - Filipe Catto
Cantarolava o fado da infância enquanto tingia as unhas de vermelho sangue, encarando o próprio trabalho como um restaurador a cuidar da mais preciosa das obras. Pois o era, afinal. Dona de si, Ângela se encarava no espelho após as horas investidas no próprio cuidado. A tela iluminada ao lado avisava que o próximo estaria ali em alguns minutos, dando-lhe tempo para retocar o batom, o perfume e a confiança.