terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Valentim


Posicionava-se sempre à mesma mesa, às 18h45 de toda terça-feira. Munido dos jornais do dia, repassava as notícias obsoletas das horas anteriores. Vez ou outra, trazia também o livro da semana e devorava as páginas acompanhado de um expresso sem açúcar. 

Os funcionários, acostumados com a presença, o felicitavam à entrada, trocando uma palavra ou duas sobre o tempo e os deslizes da política. Respeitavam-lhe, então, o espaço, localizado logo ao fundo do café. 

Perto das 20h, fechava brevemente às páginas, descansando nelas os óculos. O café dava espaço à garrafa de vinho. Entre um gole e outro, meditava silenciosamente, retornando posteriormente à profusão de linhas e histórias, ficcionais ou não. 

Lá fora escurecia. Os pedestres davam lugar as luzes quase acendiam e tornavam o bairro mais acolhedor. Desde que começara a frequentar o ambiente, assistira às mudanças: de cores, formatos, ofertas e público. Ali, permaneciam apenas ele e a construção que o acolhia, levando-o a questionar se àquilo - o hábito - já não cabia o título de tradição. Entre a lista das coisas imutáveis, estaria também a mão que acabara de repousar no ombro, os lábios do companheiro gentilmente repousados em sua testa. 

Ali, há 20 anos em meio aos gestos de cuidado e carinho, a noite começava. 

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