Pouco antes das 7h ele, o do lado, acende o primeiro cigarro. As cinzas se espalham, tomam conta dos cômodos vizinhos. No meu, o cheiro de café. Café, cigarros e um pouco de impaciência pelo fim do dia são a ordem inicial.
O outro não fumou – ainda – do meu lado. Aguarda o momento mais íntimo, eu sei. Poder enrolar, tragar devagar e sentir amortecer cada pedaço do corpo. Mesmo ébrio, me olha e perde o foco. É como se eu fosse um enigma ou uma equação que ele não sabe decifrar. Fala sobre tudo, tentando preencher as lacunas entre o que eu não digo e aquilo que, em mim, admira. Respiro fundo e deixo que avance.
Mais um, o da cidade materna, é a própria esfinge. Silêncios, cervejas, abraços, as mãos dadas e as madrugada, alguns shows, diferentes ruas e a minha vontade de mergulhar no castanho dos olhos. Dizia muito sobre o passado e afirmava sua contrariedade para com o mundo. Pouco ou nada sobre o fato d'eu estar ali – a 1m ou 300 km – e significar qualquer coisa. Eu nunca soube.
Há o que escreve. Relatos, cartas, atas, desculpas. Criptografa tudo o que sente, nunca sendo possível decifrá-lo sem a compreensão de contextos e de suas idas e voltas. Sinais, eles estão por toda a parte: basta saber ler.
O último é mar e feito ele invade os pensamentos sempre que a maré sobe. Nos dias de calmaria, quase não se notam as mudanças. Nele afoguei e agora não há como se aproximar: outra embarcação ali fez porto. Resta observá-lo.
A todos cabe a impermanência. As sextas seguem, os discos continuam tocando, sobram garrafas de vinho abertas. E tudo, mesmo depois de tanto, está bem.
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