Ouça: Ana Muller - Saturno
O corpo trêmulo, a cama vazia às duas da manhã, o silêncio e as ruas. Não fumava, mas precisava ter algo entre os dedos que não fosse tão etéreo quanto quem a acompanhava. Os silêncios criavam pequenos acordos de eternidade que duravam somente o espaço de tempo em que permaneceriam lado a lado. Duas, cinco ou sete horas, fossem três vezes na semana ou uma a cada três meses.
“A mão que afaga é a mesma que apedreja, eles dizem. E sei que é verdade. A tua, por exemplo, se esconde agora nos meus cabelos pra plantar dúvidas que a tua incerteza não dissipam e tua cegueira impede de ver. Também não enxergas todas as vezes que me desequilibrei pra te alcançar.” Não respondeu. Ainda que teorias lhe acendessem a sede por discussões, calou e deixou que prosseguisse.
O nó na garganta cresceu, impedindo a conclusão da fala. Gritara ao abismo que nem mesmo fizera eco, escancarando a falta de reciprocidade já que jamais receberia de volta tudo o que disse. As pernas fraquejaram em sinal claro de que deveria voltar - à casa, a si. Colocou as mãos no bolso do casaco, a cabeça no futuro, o peito em frangalhos e tomou o primeiro caminho que lhe apareceu.
Se foi.
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