terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Rua -25. ......,-... ....84 – II/II

I
Ouça: relationshit - godheadSilo
             
Aquela rua que fora alvo de gozo e dor agora não passava de uma rua qualquer do centro da cidade. Os corpos pareciam os mesmos de 25 anos atrás, os rostos cansados também. Se desse sorte, poderia cruzar com sua Joana no próximo cruzamento.  Com os pensamentos nublados, subiu um lance de escadas e entrou no antigo cinema adulto que agora não passava de uma casa barata de (in)tolerância, sem os amores ou as lembranças que um filme francês seria capaz de prometer. Foi ao bar, pediu whisky e encarou o copo quente, sem desejo de sorvê-lo. Era mais ou menos como a vida. Um uísque barato, quente e insípido servido num copo caro, só pra distrair o cliente acerca das qualidades da bebida. Frente a possibilidade de mais reflexões, engoliu o líquido de uma só vez, largou o dinheiro no balcão e saiu.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Rua -25. ......,-... ....84 – I/II

Ouça: Every Day Is Exactly the Same - Nine Inch Nails


Não passava da meia-noite. A cidade cinza se tornava ainda mais mórbida sob os efeitos da garoa fina. Nada fora do normal. Chovia como se a província houvesse sido terrivelmente magoada. Quase tanto quanto Jaime fora. Marina tinha partido há alguns anos, mas a dor permanecia ali. A esposa havia sido arrancada da vida de forma estúpida, mas não era isso que mais lhe incomodava.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Dilúculo

Ouça: And Leave - Soley
diria sim dessa vez sim sim sim como criança que repete a frase até acreditar que vai se tornar realidade sim porque eu que tanto gosto do vazio e do silêncio não fui capaz de suportar justo o teu e a tua calma velada me perturba como se agulhas perfurassem minha pele em busca das informações que eu (te) neguei sim porque eu não sei nadar e o mar é fundo demais pra se enfrentar sozinha sim porque você também sabe disso e se afogou tantas vezes quanto eu sim porque nem o sono químico de Branca de Neve é capaz de me desviar das divagações sim porque eu tenho maus hábitos e querer o que não pode ser meu é um deles sim porque eu canso e volto e canso outra vez sim porque eu insisto em tentar caber nos vazios que encontro sim porque eu não sei sorver tudo o que dizes sim porque ainda que eu insista não suporto amarras sim porque eu quis ir pra longe. sim porque sei que também quiseste. digo sim mais uma vez porque sei que se te chamasse virias. 

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Reticências - II

Ouça: Face to Face - Cambriana
I
Primeiramente, permitam-me desculpar pela ausência e por interromper o fluxo disso que deveria ser um folhetim. Não sei se você, caro(a) leitor(a) crê nisso que convencionou-se chamar de destino, acaso ou sorte. Talvez seja coincidência, apenas.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Para A.,

Ouça: Just Like You Imagined - Nine Inch Nails

Cantei teu nome em voz alta hoje, em alto, claro e bom tom. Repeti até que meus ouvidos se acostumassem com o que, dantes, parecia profano. Teu nome: incomum, inadequado, impuro. Tornei a repeti-lo até que as paredes o absorvessem como antes, assim como absorveram as noites de sangue e lágrima, hoje secos.  

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Reticências

Ouça: Only Ones Who Know - Arctic Monkeys

Começou quando ela descobriu que era grande demais pro corpo que a aprisionava. Grande, de alma explosiva e coração vulcânico. Foi assim que conheceu o segundo. Mas, antes, falemos do primeiro.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Murmúrio

Ouça: A escalada das montanhas de mim mesmo - Vanguart

Um dia me disseram que a vida não passa de uma dança. Cada qual com seus passos, descoordenados, tortos ou coreografados. Cada um em seu próprio ritmo. Talvez, penso eu, seja por isso que custa tanto aprender a se orientar pelos passos do outro, tentar entrar na dança daquele de quem procura, de quem se pretende seguir. Ser, mas sem pertencer. 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Do que os outros dizem

Ouça: Say It to Me Now - Glen Hansard
Disseram que pra estarem juntos era questão de tempo: ele ficou.
Disseram que ela não poderia ter o que queria: desejou.
Disseram que as cartas dele acalmariam o pequeno coração vulcânico: mandou.

sábado, 19 de outubro de 2013

Vago

Ouça: We Are Nowhere and It's Now - Bright Eyes

"... ... ... Oi! Hã...desculpa... Quem está falando... bem... quer dizer... sendo sincero, você está falando com a secretária eletrônica! Liga mais tarde ou...ah, deixa um recado."
Desliguei.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Perto

Ouça: She's a Ghost - Neva Dinova

Chovia. Era quarta-feira, um desses dias em que todos contam os segundos, seja para o fim de semana ou simplesmente para chegar em casa, repousar o corpo às 21:00 e desfrutar das oito horas tão aclamadas pelos cientistas e demais estudiosos com importantes diplomas emoldurados numa parede. Não ele. Ele não fez isso.
Abandonou os colegas no cruzamento mais próximo e entrou no bar que frequentava desde que começou a trabalhar na nova empresa. Sentou ao balcão, pediu o de sempre e encarou os gatos pingados que se encontravam no salão. Era estranho, agora, estar ali, só. Não tinha Juliana (ou era Clara? Luiza? Ana! Era Ana, certo?) pra sentar do seu lado e reclamar das garotas com quem trabalhavam. Acontece que Ana tinha ido embora por uma dezena de fatores: a indecisão e a falta de ação do rapaz eram só algumas das razões pela qual a moça havia ido embora. Ah, ele também fodia a garota do apartamento de cima quando Ana ia ao outro lado da cidade para visitar as amigas. Ana foi embora e o rapaz sofreu. Mas logo encontrou consolo em outros amores.
Deixe-me esclarecer: ele era um romântico desses de maior nível, embora a canalhice resolvesse pintar-lhe o corpo, vez ou outra. Via uma garota de belos olhos na rua e já se colocava a montar versos de palavras difíceis sobre as características da donzela que nunca conheceria seu talento na prosódia. E lá se ia a mocinha dos sonhos, para o nunca mais. Ele não conseguia suportar a ideia de um "felizes para sempre", mas sonhava com o dia em que encontraria "A" mulher. Os dois se conheceriam de uma forma improvável, trocariam telefones, ela ligaria tarde da noite pedindo para que ele fosse até o apartamento e, é isso, se entenderiam. Meus caros, foi mais ou menos isso que ele vislumbrou nessa noite que, até então, julgava tão vazia quanto seu copo.
Ela entrou ali com uma mala cheia, vestido um tanto quanto amassado, cabelos desgrenhados pela umidade e, ainda assim, parecia essas garotas que passam horas a se arrumar para parecer uma dessas modelos de estilo despretensioso. Ela não parecia, mas lembrava, apesar do pouco tamanho. Antes que percebesse, a pequena já estava do seu lado, pedindo o de sempre, que, ironicamente, era o mesmo que o recorrente pedido dele. Talvez fossem os deuses, três mil sinais para que ele agisse. Já um tanto quanto alto, iniciou uma conversa com a estranha. Não muito tempo depois, saíram dali.
...

Na manhã seguinte, deixou o braço cair do lado direito da cama e alcançar o vazio. Ela havia ido embora. Checou o celular: era demasiado tarde e deveria tomar o próximo ônibus se não quisesse assinar a própria demissão. Andou pelos cômodos e concluiu que a moça inspecionara cada canto. Ah, ela! De faces tão puras! De pensamentos igualmente puros, mas, dessa vez, como um cinzeiro. Enquanto descia as escadas e ajeitava as próprias roupas, pensava no que contaria aos colegas de trabalho sobre a misteriosa e estranhamente sedutora garota da noite passada. Ao abrir o portão de seu abrigo, deu por si encarando a mesma estranha de outrora, na padaria do outro lado da rua. Ela agora abraçava um homem que exibia o maior dos sorrisos. Quase teve vontade de correr e separar os dois. Foi aí que nosso rapaz se deu conta de que, enquanto se gabava de ter entrado na saia da moça, esta tinha alcançado a maior das façanhas: a de entrar de vez na cabeça dele.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Schizo

Ouça: A Broken Jar - La Dispute
te trago mais uma vez só pra te sentir esvair entre meus dedos pra ver teu rosto nessa fumaça pra que meu pulmão absorva aquilo que és pra que fique em mim só agora só agora só agora repito assim três vezes para que voltes como se fosse um mantra porque te espero sem saber como nem porquê sem exigir amarras explicações sem saber em qual sítio repousas e sem deixar-te saber o suficiente para que possas entrar porque doeu uma vez e vai doer mais sabes tão bem quanto eu dizemos adeus não porque é necessário mas para evitar rompantes de felicidade incontrolável de modo a nos tornarmos pueris inocentes e ainda mais frágeis nós e toda a crueza de um mundo que parece deveras pequeno e que insiste em jogar a todos em cantos opostos tornando almas ainda mais solitárias pois é isso que acontece aos românticos inadequados e perdidos meu bem e é a isso que estamos destinados portanto toma tuas dores tuas palavras teus erros desafia todos teus deuses teus medos teus sonhos. me encontra por aí.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

rätsel


não fosse pelo silêncio, 
pela evasão, 
pelas agulhas em forma de letras,
pela tua diversão expressa nas entrelinhas:
eu. permaneceria. aqui. (aí)

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Random

Ouça: Moody Mooday - Damien Rice
Vai. Toma teu tempo. Pode vagar, sem rumo algum, a procurar por coisa que não se encontra em bar algum dessa cidade. Vá atrás de todas as tuas damas, dos teus fantasmas que sempre abandonam os túmulos e voltam a te perseguir. Vai, faz isso. 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Fantôme

Ouça: Terrified - Anna Ternheim


Você não me conhece. Quer dizer, sabe, de algum modo, da minha existência e é apenas isso. Nossos olhos não se encontraram, nem mesmo aquela vez em que nos cruzamos em um ponto chave da cidade. Nossas peles não se tocaram, nem por descuido causado por álcool, por puro propósito ou mesmo pela minha falta de jeito. Não trocamos palavras. Nada além de linhas que algum dos dois decidiu seguir para se fazer notar. O que você sabe é que eu existo, em-algum-lugar.

domingo, 11 de agosto de 2013

Abismo

Ouça: Make-Up Smeared Eyes - Automatic Loveletter
                

                Era abril. Naquela tarde eu não senti nada. Nada além de uma vontade, dessas enormes, de te expulsar de vez de mim. E eu não falo das inúmeras tentativas de ignorar tuas chamadas, tuas mensagens, tuas desculpas esfarrapadas. Eu queria te arrancar da minha pele só pra poder aprender a viver sem todo o peso de uma vida com teu fantasma. Te amei, sabe. Com todo teu mau humor, tuas desculpas, mentiras, atrasos. Te amei entre distâncias e deixei que conhecesse todos os espaços que havia em mim.

sábado, 3 de agosto de 2013

Subter(e)fúgio

Ouça: The Box - Damien Rice 

         São quatro da manhã de uma terça feira. O sol nem pensou em dar as caras; entendo agora porque é que essa cidade tem fama de cinza. Ainda acho que o clima aí é mil vezes mais inconstante que o daqui. Fazem 27º lá fora, mas aqui dentro nunca esteve tão frio. São só fatos desconexos pra tentar aplacar tua possível indiferença. Não vim falar disso, você sabe. 

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Os Outros

Ouça: Golden Baby - Coeur de Pirate
         Começou quando ela entrou na sala. A garota de cabelos negros sentou ao lado da carteira do garoto com fones de ouvido, enquanto ele não fez nada mais que dar uma olhada de lado pra estranha. Estranha, sim. Veja bem, apesar daquele colégio ser um dos que há nas metrópoles, aquela era uma cidade pequena. O cabelo desfiado, a bolsa azul ao invés da mochila de lona, a franja a esconder o olhar tímido...tudo isso chamava a atenção. Não só dele, diga-se de passagem: aquela era a sala do Ensino Médio de uma Universidade Tecnológica de algum lugar. O curso era Informática Industrial e, bem, vocês sabem, algumas garotas estão interessadas em moda e coisas do tipo, não em como computadores funcionam e qual é a possibilidade de uso deles. Vejam bem, eu disse algumas. E aquela, ele descobriu após o "oi" que trocaram minutos antes do professor entrar na sala, não era uma delas. Foi assim por muito tempo, até que acontec...

terça-feira, 28 de maio de 2013

V

Ouça: ela vestiu-se de vermelho - uyara torrente
                
                Vestiu-se. Pintou os lábios. Acariciou as maçãs do rosto com o pincel carregado de um pó colorido. Os cabelos negros caíam sobre os olhos semicerrados. Da janela aberta, a lua acariciava a pele morena como se, no afago, tentasse dissipar angústia. O ambiente encontrava-se relativamente calmo, apenas com um leve barulho de água a correr. 

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Só hoje

Ouça: Desire - Ryan Adams


Eu aceito: sussurro meus detestáveis murmúrios irascíveis ao pé do seu ouvido. Vocifero aos quatro ventos sobre as tuas vontades e sobre essa tua necessidade de ver amor em tudo. Rio do seu discurso romântico, das flores que me compraste na semana passada e mais ainda quando diz que quer ser feliz acima de tudo. Irritado, me deixas na cama e se põe a fazer a barba, querendo me contrariar. O homem de negócios se olha no espelho, mas daqui eu vejo um menino perdido, sem saber como usar o barbeador do pai. Rio mais uma vez. Agora é por toda essa sua ingenuidade de garoto que cresceu rápido demais, que não soube aceitar toda a crueldade de um mundo que, segundo o que descobriu, nem é tão grande assim.

(...)

domingo, 21 de abril de 2013

Invento

Desfazendo teu encanto tanto [pesada]
retorno ao meu tonto intento.
Inventando refúgios enquanto [iludida
a ti,  com todo meu pesar, lamento. 

sábado, 13 de abril de 2013

A falta que nos move

Ouça: Watch How You Go - Keane 

*Esse texto é uma versão alternativa de "Fugitivo", publicado por Eduardo Giovanni, no blog Contos avulsos. Para ler a versão original, clique aqui.
*"A falta que nos move" é título de um filme brasileiro. Para mais informações, clique aqui



Acordei. Cinco e cinquenta três da manhã, sexta feira de um mês qualquer, uma capital inconstante e teus abraços ao redor da minha cintura. Nem sabes, mas fiquei ali, por uns bons minutos lhe encarando, vendo o cenho que franzia conforme os sonhos mudavam. Queria ficar até que seu sono se esgotasse, só pra perguntar o que é que te incomodava tanto enquanto dormias. Ao invés disso, desvencilhei-me dos teus braços e segui em direção ao banheiro.
            Sem que me desse conta, tu me encaravas com olhos nublados, perdidos. De modo que, quando, sem nada dizer, me tomaste com um abraço, logo achei estranho. Pousaste a cabeça em meu ombro e permanecera ali, por algum tempo. Quis lhe perguntar o que havia acontecido, talvez fosse só um sonho ruim. Você sabe, eu estava ali.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Quanto? Conta.

Ouça: João Gilberto - Insensatez


 Rio enquanto tu cantas meu nome em algum bar da cidade. Tanto tempo, tanto intento, chora teu peito. Meu encanto, tua necessidade. Tolos, dançam os amantes à tua frente. O rapaz, atento, toma pela cintura a amada. Sei muito bem, meu bem, que sentes minha falta.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Pierrot/Arlequim

Ouça: Sweet Nothing (Cover) - Leo Stannard

"Quando você ler essas palavras, já estarei longe. Provavelmente, na metade dos inúmeros quilômetros que nos separam. Não, não tenta me ligar agora. Apenas leia minhas minhas palavras mal distribuídas e vê se entende. Tenta. 


Pensei em escrever algo grandioso, que mudasse teu mundo e me fizesse sentir meio boba. Amasso o papel e jogo-o à pilha dos fracassos. Acontece que eu fui embora. Outra vez. Sem olhar para trás, de mãos vazias e mais leve que esse vento que acaricia a tua pele nos fins de tarde. Está me ouvindo? Eu parti e, dessa vez, eu jurei não voltar. Sei que já lhe disse isso dezenas de vezes e sempre acabo retornando. Não dessa vez.

sábado, 12 de janeiro de 2013

(In)Transitivo

Ouça: Apartment - Young the Giant


Domingo, quase cinco da tarde. Teu apartamento, o colchão na sala, algum filme na televisão e o barulho de chuva que você adora ouvir. As paredes que já se tornaram familiares demais começam a incomodar, mas teu interesse em algum enredo fantástico, misturado a resquícios de sono, impede que você veja meu desconforto. Não, não estou reclamando, sabe. Eu adoro a tua cama eternamente bagunçada, fazer das tuas camisas o meu pijama e saber que tem um pedaço meu em cada canto desse lugar. Encaro o teto branco e você abandona teu travesseiro só para repousar a cabeça em meu peito. Me pergunta, baixinho, o motivo de estar tão calada e faz piada com o fato d'eu não estar divagando sobre as qualidades físicas de um ator qualquer. Respondo que não passa de sono e uma pressão baixa, ocasionada pelo calor infernal, apesar da chuva, da cidade localizada no norte do estado. Você, preocupado, se dispõe a preparar algo para comermos, mas dispenso a sua gentileza e tomo o controle da cozinha, enquanto tu acabas comprando, sem saber, minha farsa travestida de xícaras de chá, café e biscoitos.