quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Reticências

Ouça: Only Ones Who Know - Arctic Monkeys

Começou quando ela descobriu que era grande demais pro corpo que a aprisionava. Grande, de alma explosiva e coração vulcânico. Foi assim que conheceu o segundo. Mas, antes, falemos do primeiro.

 Encontraram-se no café próximo ao campus em que estudavam. Ela estava ali pra pagar as contas do mês. Não era fácil se manter na cidade grande: ninguém lhe contou sobre quão difícil era dividir o tempo entre trabalho e estudos. Também não lhe avisaram que teria de lidar com as atenções que recebia da ala masculina. Assim conheceu o primeiro. Estudante do terceiro ano de Direito, munido de grossos livros e olhos bonitos. Olhos que ela encontrou durante as três semanas em que ele frequentou o café. Enquanto ele cogitava os planos persuasivos para chamá-la pra sair, ela deu o primeiro passo. Avançou com perguntas sobre os livros que ele carregava e a recíproca não poderia ter sido mais positiva. Antes que dessem conta do tempo que havia passado, ou sequer do que havia ocorrido, trocavam carícias, argolas prateadas e planejavam dividir um pequeno apartamento no centro da cidade. 
O segundo? Conheceu em um desses lugares que ambos frequentavam, poderia dizer. Mas não foi assim. Nada tem de incrível ou memorável. Talvez os fatos que venham a seguir prendam mais sua atenção, caro leitor. Mas, voltemos. O segundo era conhecido de alguns amigos. Numa cidade pintada de província, onde os laços são mais estreitos do que se imagina, nada mais comum que os dois se cruzassem eventualmente. Mas, não. Não confundiram seus caminhos e se encontraram no outro, já adianto. Enquanto cada um dividia seu tempo com os próprios afazeres, os amigos em comum tornavam a pôr o assunto na roda: eram parecidos. Demais, diziam. Talvez dissessem isso porque não gostavam do ar sisudo do quase advogado, que se fazia presente pela aliança cintilante num grupo de pessoas livres demais para se prenderem a longos relacionamentos. Isso incluía ela, mas sabia disfarçar o bastante para se mostrar satisfeita com o rumo que a "vida" moldava. Perdi-me nessas explicações, perdoe-me.  
Não se conheciam. Ele continuava a contar seus casos para estranhos nos bares do centro da cidade. Ela continuava calada, observando os dramas da vida alheia enquanto mordia os lábios. Não sabiam que ambos carregavam dentro de si uma raiva quase infantil de todos os amores que não vingaram. Brincavam de serem os loucos, passionais, enquanto vagavam pelos botequins a contar verdades tolas - e inocentes. Até que, um dia, acontec...

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