sábado, 12 de janeiro de 2013

(In)Transitivo

Ouça: Apartment - Young the Giant


Domingo, quase cinco da tarde. Teu apartamento, o colchão na sala, algum filme na televisão e o barulho de chuva que você adora ouvir. As paredes que já se tornaram familiares demais começam a incomodar, mas teu interesse em algum enredo fantástico, misturado a resquícios de sono, impede que você veja meu desconforto. Não, não estou reclamando, sabe. Eu adoro a tua cama eternamente bagunçada, fazer das tuas camisas o meu pijama e saber que tem um pedaço meu em cada canto desse lugar. Encaro o teto branco e você abandona teu travesseiro só para repousar a cabeça em meu peito. Me pergunta, baixinho, o motivo de estar tão calada e faz piada com o fato d'eu não estar divagando sobre as qualidades físicas de um ator qualquer. Respondo que não passa de sono e uma pressão baixa, ocasionada pelo calor infernal, apesar da chuva, da cidade localizada no norte do estado. Você, preocupado, se dispõe a preparar algo para comermos, mas dispenso a sua gentileza e tomo o controle da cozinha, enquanto tu acabas comprando, sem saber, minha farsa travestida de xícaras de chá, café e biscoitos.


Abandono a chaleira no fogão e sigo para o seu quarto. A cama revirada, seus discos religiosamente ordenados e os tênis espalhados no chão me fazem querer continuar presa nessa caixa que você chama de apartamento. Deixando divagações à parte, tiro a mala do armário e começo a recolher minhas coisas: roupas, sapatos, alguns cosméticos, papéis e os livros que você me deu no verão passado. Com a mala quase pronta, sigo até a cozinha, desligando o fogão após perceber que você abandonou o filme se entregou ao sono e, provavelmente, acordará assim que ouvir o barulho do chuveiro, que eu acabei de ligar.

Três meses. Três meses que estamos nesse "vai-e-vem". Duas cidades, ligações interurbanas, seis horas de viagem e apertos no peito que são resolvidos a cada três semanas ou quando a loucura de provas, seminários e trabalhos permite. Ainda me recordo do dia em que dissestes que estava de partida. Eu encarava alguma vitrine de livraria enquanto você divagava sobre todas as cidades em que queria morar. Ouvia interessada, mas com um nó na garganta impossível de desatar, pois já previa a notícia. Minha farsa, outra vez, se travestiu de compreensão e, no início de Agosto, você já havia recolhido seus pertences e se encontrava em um prédio no centro de uma cidadezinha qualquer, a menos de trinta minutos da sua faculdade. Não me entenda mal, sabes bem que eu sempre quis o teu bem. Só não contava que ele estivesse a quase 500 km de distância. Amor tem dessas coisas, essas provações e a maior delas talvez seja deixar o objeto amoroso partir.

Não. Espera. Amor? Meus punhos se fecham e meus lábios se comprimem, porque eu sei o quão patético isso é. Nos conhecemos há dois anos atrás, quem sabe, três. Iniciamos essa convivência há cerca de, hum, vejamos, um ano e meio? Encontros em cima da hora, ligações no meio da noite, refeições improvisadas e palavras medidas. Esse último item tirou meu sono durante incontáveis noites e construiu um abismo entre nós dois que acredito ser a única a ter conhecimento. Amor sempre pareceu assunto delicado, relacionamentos ainda mais. Não conjugamos o famigerado verbo transitivo, nem temos bambolês adornando nossos dedos. Me pergunto em que momento ficou claro o que somos. Se é que, em algum ponto, ficou. Só queria que soubesse que o que dizem sobre ele é errado e você deveria tentar. Essa história de que é óbvio o motivo pelo qual "amor rima com dor" é balela inventada por quem não soube como recebê-lo. Amor rima com dor, mas a ideia por trás não passa de um equívoco: apesar das marcas que você deixou em minha pele, não sinto dor alguma. E, mesmo com vários tropeços(acontece!), ainda estou inteira. Talvez seja esse o motivo que me faz engolir distâncias, mas, também, me faz querer vomitar um "adeus". 

Termino de me arrumar, coloco algumas coisas em seu devido lugar e, no balcão da cozinha, deixo teu chá, biscoitos e uma carta. Tudo aquilo que não falamos, o que subentendemos ou ignoramos. Escrevi por medo do teu silêncio quando ouvisse todas essas coisas. Preciso partir, o táxi me aguarda. Apesar da vontade de querer continuar, a vida na capital me aguarda. Aquele cara que você detesta também. Vê se te sustenta e, quando aprender a conjugar o tal verbo, me liga. Mas, corre. Porque o que eu não quero é aprender o significado de um "tarde demais".

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