Ouça: Golden Baby - Coeur de Pirate
Começou quando ela
entrou na sala. A garota de cabelos negros sentou ao lado da carteira do garoto
com fones de ouvido, enquanto ele não fez nada mais que dar uma olhada de lado
pra estranha. Estranha,
sim. Veja bem, apesar daquele colégio ser um dos que há nas metrópoles, aquela
era uma cidade pequena. O cabelo desfiado, a bolsa azul ao invés da mochila de
lona, a franja a esconder o olhar tímido...tudo isso chamava a atenção. Não só
dele, diga-se de passagem: aquela era a sala do Ensino Médio de uma
Universidade Tecnológica de algum lugar. O curso era Informática Industrial e,
bem, vocês sabem, algumas
garotas estão interessadas em moda e coisas do tipo, não em como computadores funcionam e qual é a
possibilidade de uso deles. Vejam bem, eu disse algumas. E aquela, ele
descobriu após o "oi" que trocaram minutos antes do professor entrar
na sala, não era uma delas. Foi assim por muito tempo, até que acontec...
Naquele ano,
tornaram-se melhores amigos. Ele contava sobre o filme que viu antes de dormir,
ela o chamava pra todas as festas da cidade. Chamava também o grupo de amigos
da sala, afinal, ali todos se conheciam e se entendiam bem, caso raro. Ela
também convidava o namorado, que sempre vinha com alguma desculpa esfarrapada
do tipo: "não conheço ninguém", "tenho que cuidar do meu
primo", "estou gripado". O rapaz era dois anos mais velho e
morava na cidade vizinha, cerca de trinta minutos de distância. A garota não
entendia muito bem as desculpas, até que descobriu que o motivo pelo qual o
namorado evitava as festas não era uma gripe ou um primo para cuidar: eram duas
ou três garotas de nome, sobrenome e vestidos curtos. Isso foi, mais ou menos,
quando o segundo ano do médio começou.
Ele estava lá quando
ela tentava procurar as respostas para a imaturidade do ex. Ela ouviu, com
certa birra, quando ele disse que conheceu uma garota linda no fórum daquele
jogo que ela nunca teve paciência pra conhecer. Ele ajudou a cicatrizar aquela
ferida e acalmou os medos dela. Ela acabou descobrindo que ele podia ser tão
bom amante quanto era como melhor amigo. Os dois assumiram o namoro mais ou
menos na metade do ano, mas todos já sabiam. Diziam que os dois se completavam,
que aquilo era destino e que ter "acertado" assim, tão cedo, só
poderia ser coisa boa.
Já no início do ano
seguinte, ele decidiu que continuaria com os computadores. Ela decidiu que iria
contar a história de outras pessoas e, para isso, precisaria conhecer o mundo.
Ele nunca entendeu muito bem essa vontade dela de ser maior, mas apoiou, talvez
por pensar que ela mudaria de ideia. Isso nunca aconteceu. Ao logo daquele ano,
ela viajou várias vezes pra uma cidade dez vezes maior do que aquela em que os
dois se conheceram e decidiu que, sim, era aquilo que queria. Ela sempre
poderia voltar para casa nos feriados. Os dois poderiam morar juntos, mais
tarde. Assim, depois de muitas conversas ao telefone conforme empacotava o que
levaria, ela partiu. Sete e meia de 9 de Janeiro de um desses anos quaisquer.
Três meses se
passaram e os encontros, antes diários, diluíram-se em 3 visitas rápidas. O
perfume dela nas roupas continuava o mesmo, mas ele não sabia que o modo como
ela se vestia havia mudado. A risada dele ainda continuava sendo o melhor som
do mundo, mas as piadas agora não eram tão bobas e divertidas quanto antes.
Decidiram que o melhor seria que cada um escolhesse seus caminhos. Isso há uns
dois anos atrás.
Ele passou na
faculdade da cidade ao lado. Foi morar com alguns amigos numa espécie de
república. Conheceu algumas garotas, nenhuma como aquela. Ela foi viajar.
Conheceu um pouco do mundo, das pessoas e alguns caras. Escreveu histórias
sobre eles, sobre ela, sobre as amigas e o que mais lhe viesse à mente. Ela
voltava pra casa mais ou menos quando ele estava de férias e fazia o mesmo.
Encontravam-se assim, como quem não sabe nada sobre o outro, mas espera trombar
com ele na esquina mais próxima.
E, mais uma vez, partiam. Partiam com a mesma indagação de sempre:
"o que havia acontecido?" Procuravam respostas em palavras chave como
"distância", "medo", "mundo", "tudo" e
muitas outros. Esqueceram só uma, caro leitor. Eis o que aconteceu a estes
dois: a vida.
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