terça-feira, 15 de outubro de 2013

Perto

Ouça: She's a Ghost - Neva Dinova

Chovia. Era quarta-feira, um desses dias em que todos contam os segundos, seja para o fim de semana ou simplesmente para chegar em casa, repousar o corpo às 21:00 e desfrutar das oito horas tão aclamadas pelos cientistas e demais estudiosos com importantes diplomas emoldurados numa parede. Não ele. Ele não fez isso.
Abandonou os colegas no cruzamento mais próximo e entrou no bar que frequentava desde que começou a trabalhar na nova empresa. Sentou ao balcão, pediu o de sempre e encarou os gatos pingados que se encontravam no salão. Era estranho, agora, estar ali, só. Não tinha Juliana (ou era Clara? Luiza? Ana! Era Ana, certo?) pra sentar do seu lado e reclamar das garotas com quem trabalhavam. Acontece que Ana tinha ido embora por uma dezena de fatores: a indecisão e a falta de ação do rapaz eram só algumas das razões pela qual a moça havia ido embora. Ah, ele também fodia a garota do apartamento de cima quando Ana ia ao outro lado da cidade para visitar as amigas. Ana foi embora e o rapaz sofreu. Mas logo encontrou consolo em outros amores.
Deixe-me esclarecer: ele era um romântico desses de maior nível, embora a canalhice resolvesse pintar-lhe o corpo, vez ou outra. Via uma garota de belos olhos na rua e já se colocava a montar versos de palavras difíceis sobre as características da donzela que nunca conheceria seu talento na prosódia. E lá se ia a mocinha dos sonhos, para o nunca mais. Ele não conseguia suportar a ideia de um "felizes para sempre", mas sonhava com o dia em que encontraria "A" mulher. Os dois se conheceriam de uma forma improvável, trocariam telefones, ela ligaria tarde da noite pedindo para que ele fosse até o apartamento e, é isso, se entenderiam. Meus caros, foi mais ou menos isso que ele vislumbrou nessa noite que, até então, julgava tão vazia quanto seu copo.
Ela entrou ali com uma mala cheia, vestido um tanto quanto amassado, cabelos desgrenhados pela umidade e, ainda assim, parecia essas garotas que passam horas a se arrumar para parecer uma dessas modelos de estilo despretensioso. Ela não parecia, mas lembrava, apesar do pouco tamanho. Antes que percebesse, a pequena já estava do seu lado, pedindo o de sempre, que, ironicamente, era o mesmo que o recorrente pedido dele. Talvez fossem os deuses, três mil sinais para que ele agisse. Já um tanto quanto alto, iniciou uma conversa com a estranha. Não muito tempo depois, saíram dali.
...

Na manhã seguinte, deixou o braço cair do lado direito da cama e alcançar o vazio. Ela havia ido embora. Checou o celular: era demasiado tarde e deveria tomar o próximo ônibus se não quisesse assinar a própria demissão. Andou pelos cômodos e concluiu que a moça inspecionara cada canto. Ah, ela! De faces tão puras! De pensamentos igualmente puros, mas, dessa vez, como um cinzeiro. Enquanto descia as escadas e ajeitava as próprias roupas, pensava no que contaria aos colegas de trabalho sobre a misteriosa e estranhamente sedutora garota da noite passada. Ao abrir o portão de seu abrigo, deu por si encarando a mesma estranha de outrora, na padaria do outro lado da rua. Ela agora abraçava um homem que exibia o maior dos sorrisos. Quase teve vontade de correr e separar os dois. Foi aí que nosso rapaz se deu conta de que, enquanto se gabava de ter entrado na saia da moça, esta tinha alcançado a maior das façanhas: a de entrar de vez na cabeça dele.

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