domingo, 28 de maio de 2017

Nada


Não teria sido diferente se tivéssemos nos conhecido antes do amargo do teu café deixar a xícara para te fazê-lo assim como homem. Era final de novembro de um ano que eu achava que não teria mais fim mesmo tendo sido pautado por eles. Você foi incógnita e, pelos deuses, eu quis tanto ser capaz de resolver. Quis saber da tua bagagem, de onde vinha, quem era e o que tinha acontecido pr'aquela poltrona estar vazia, me fazendo cruzar teu caminho da forma mais aleatória e abraçar impulsos. Tu eras maior que meu otimismo e ali, penso, deveria ter extraído significados que me impediriam de considerar toda a fragilidade dos “e se...?” dentro de uma narrativa. E dessas, eu sei. Escrevi uma após a outra na tentativa de categorizar e encarar possibilidades de forma sistemática. Confesso não ter atingido nenhum resultado utilitarista.

domingo, 21 de maio de 2017

Aviso


O mundo é muito pequeno, percebeste? Há quem sai da sua vida hoje às 14h para trombar contigo às 23h59 de uma quinta feira distante. Os amores cruzam a porta alegando que não voltarão e você os encontra no seu bar favorito depois do expediente. Com outros. Com outras histórias. Com uma versão cheia de updates que não rodam direito no seu sistema operacional. Mas você também tem atualizações, entendes? Podes ser tu a partir – a cara ou o coração – em 20 minutos ou menos ou, ainda, não ser capaz de corresponder àquilo que o outro conheceu de ti. Tem esse filme, um dos poucos que vi em muito tempo, em que o personagem principal retorna à casa e fala sobre as motivações que levam alguém a partir ou a voltar. Elas estão por aí se esgueirando nas roupas do armário, no amargo do café, nos detalhes de uma cena alheia que se vê tão clara por estar do lado de fora. Amarás. Digo quase que como uma maldição. Amarás e será sempre diferente, nunca menor. Em algum canto, sua mente será repleta de traços, olhares, cabelos e gestos que replicarás em estranhos que cruzam seu caminho, que esperam na fila do supermercado. Respiro fundo sempre. “Doeu, mas foi.” 
As pessoas carregam ausências.
Saber que eu fui a tua não anula a minha ânsia por acertos.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

A colecionadora


Pouco antes das 7h ele, o do lado, acende o primeiro cigarro. As cinzas se espalham, tomam conta dos cômodos vizinhos. No meu, o cheiro de café. Café, cigarros e um pouco de impaciência pelo fim do dia são a ordem inicial. 

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Prorrogação

“I was going to write you a poem, but then I didn't”
Eu ia te ligar, meses atrás,
ou escrever uma carta
pedindo pra ser peça da tua rotina sempre tão caótica.
Mas eu não fiz
Talvez por orgulho, um pouquinho de mágoa
e medo, muito medo
de ouvir outra vez sobre as incertezas
Logo elas que definem tanto do que eu sinto
e que mesmo assim deixam os sentimentos extravasarem

Ali, no dia dos meus anos, iria pedir desculpas,
mas não o fiz porque
Eu não podia carregar culpa alguma,
It's just not fair with the person I aim to be,
a que eu sou agora,
É que eu não posso carregar a culpa de ter desejado ser mais
e minha antes de ser de qualquer pessoa
ou aceitar como consequência o fato inevitável de crescer

“We've changed, honey boo”
O mundo passa,
as horas se desfazem
e seremos lembrados pelas falhas
“Seremos?”, eu digo
sabendo que de ti eu lembro, não por nostalgia
ou saudade, dos bons dias

"Mudou tudo, honey boo, 
e a distância entre nós não 
foi certamente a causa para toda a explosão."

domingo, 7 de maio de 2017

A vida privada das árvores

Ouça: Almost Blue - Chet Baker

“Oi, eu tô ligando pra dizer que...eu não sei...Quer dizer, sei. Ligo porque espero que as minhas mensagens te tragam, algum dia, de volta pro lado de cá. Isto é, se ainda as recebe. Imagina que engraçado seria se meus relatos fossem direcionados a um número novo de uma casa cheia de amigos que, semanalmente, se põem a ouvir o drama e discutem sobre a personagem estranha que vive a chamar alguém que nunca atende? Sei que é improvável, mas é melhor que falar a um número inexistente, esse adjetivo que cabe na gente – que um dia foi tudo.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Astenia


“Seremos sempre lembrados pelas falhas” a frase me veio à mente como se numa das conversas mínimas você a tivesse proferido “seremos sempre lembrados por isso: o que não fomos” completarias na tua ausência criei diálogos pra suprir a falta que achei que faria e que um dia ou dois depois do meu silencio aparecerias fosse na minha caixa de mensagens ou numa ligação esquisita de um bar com desconhecidos que passou a frequentar quando deixei a cidade mas nada outro dia e nada mais um e nada até que eu tomasse malas um ônibus e um punhado de horas pra voltar à casa e encarar um relato sobre aleatoriedades das quais eu jamais exceto essa por me encontrar tão cansada as pessoas continuam a aparecer, sabes? Pra um café uma cerveja um oi rápido entre-aulas-textos-trabalhos-responsabilidades que eu postergo e depois corro para por em dia eu disse que estou cansada? É de não saber de mim dos outros do que foi você já faz um mês desde a última vez já faz um ano que eu me recolhi pra me cuidar nesses dias tenho celebrado erroneamente uma série de marcos que lembram que dois passos para frente são três e meio pra trás e eu insisto não sei se por ingenuidade ou isso que chamam de fé e é exaustivo não ter um ponto no qual descansar pés ombros cabeça e coração e eu sei que sabes como é se sentir assim agora tenho duas semanas para refazer malas para sair de um lugar que não é meu e retornar ao que um dia foi e eu tô indo e não sei bem pra onde livros ótimos tem saído os filmes se acumulam e o meu álbum favorito do ano tem a frase “you're the earthquake I'm what's on the wall” e poderia ser sobre a gente sobre o casal que mora do meu lado ou de alguém que conheci há cinco anos poderia ser sobre tudo o que não foi por isso o que projetei em ti me volta: seremos sempre lembrados pelas falhas?