"Isso me inquieta. Sinto que quem fala comigo é uma foto.
Recordo aquele poema, "Os olhos desta dama morta me falam".
Mas ela move as mãos e a vida volta ao seu corpo. Não está morta,
penso de novo, e de novo sinto uma alegria imensa."
Formas de voltar para casa, Alejandro Zambra.
Foi abrir os próprios olhos para sentir os dela o encarando do outro lado da sala. Era madrugada e a pequena forma o observava da outra poltrona, sem dizer nada. Tentou erguer-se do sofá, estabelecer algum movimento que despertasse nela qualquer tipo de reflexo, mas foi em vão: caberia apenas assistir ao enquadramento formado pelas grandes janelas em contraste com a sombra do móvel e do corpo que nele repousava. Pensou em como ela poderia ter chegado ali sem saber o endereço ou mesmo o número correto da porta a se atravessar.
Vê-la sentada logo a frente era como assistir o ambiente familiar se desintegrar aos poucos. Na escuridão, a mobília parecia destoar, como se fossem unidas as peças de diferentes quebra-cabeças no intuito de formar uma imagem só, ainda que dissonante. Pensou que teria, se ela decidisse por tomar aquele lugar para si, comprar novos móveis para que neles a memora fosse arquivada. O pó, os excessos e as faltas precisariam de novas portas e gavetas. Não querendo retirá-la de onde se encontrava, pensou em como removeria os antigos e instalaria a nova estrutura, planejando a construção de uma estrutura que se adequasse à nova habitante: aceitá-la em seu mundo seria renegar todo o resto? Estaria disposto, então, a tomar as devidas ações? Levou a mão à cabeça, que fervilhava e dava indícios de uma leve febre, de modo que aproximou de si o cobertor que o envolvia.
Fechou os olhos por alguns segundos, buscando descansá-los na ausência de imagens, e quando os devolveu ao cenário, já não a via. Poderia ter ido ao outro cômodo, tentada a descobrir o local no qual os segredos eram armazenados. Apenas a poltrona parecia ter registrado leves indícios de sua presença, mas não daria o sinal como certo. Levantou-se para ir à porta. Trancada. De forma automática, retornou ao lugar anterior e tornou a deixar que as pálpebras caíssem.
Quando voltou a abri-las, ela estava ali.
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