quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Nó(s)

Ouça: Andy Grammer - Casual
Era um sábado nublado quando você me ligou. Eu não estava sozinha. Fui encontrar um cara em um desses cafés que costumo frequentar e que você odeia, porque diz que neles só se encontram "intelectualóides querendo impressionar meninas iludidas" e entendi o recado. O vestido bem passado e as sapatilhas vermelhas mascaravam as ilusões que eu levava na bolsa. O tal cara se atrasara, como todos os outros com que saí no último mês. Queria te ligar e perguntar porque é que vocês fazem isso. Ao invés disso, contei até dez e fui dar uma olhada na livraria do outro lado da rua. É óbvio que me perdi nos minutos e cheguei atrasada ao encontro. O rapaz levantou os olhos do livro que estava lendoalgum clássico de Shakespearee sorriu quando me viu irromper no café, como acontece nos filmes.



Alguém me disse que tenho alguma coisa que inspira confiança. Não me surpreendi quando ele me contou sobre  a semana, sobre os livros que devorara e os trabalhos da faculdade. Em uma hora, descobri coisas que nenhum outro cara teria falado. Em duas, eu estaria me preparando para pedi-lo em casamento. Olhe só onde fui cair: o cara cursava medicina, viciado em livros, tocava violão, falava francês fluentemente e tinha os olhos azuis mais bonitos que eu já vi. Motivos suficientes pra fazer qualquer garota iludida cair de amores ali mesmo, inclusive eu. Nossas mãos se encontraram sobre a mesa, ele sorriu, se aproximou e...você já sabe o que aconteceu. Aliás, você aconteceu. O meu celular inventou de tocar justo na hora do beijo, do meu final feliz. Seu nome no meu visor, rompantes de raiva e um 'ignorar ligação'. Encarei o rapaz à minha frente com certo desconcerto, pedi desculpas.

Tentamos de novo e outra vez apareceste pra frustrar meus planos. O cara, muito educado, falou que eu deveria atender, afinal, poderia ser algo importante. Já sabia que não era, mas resolvi averiguar. Cruzei o café e fui até o lado de fora. Você disse que precisava me ver, não estava bem. Só pela tua voz eu entendi o que se passava e o tal encontro não importava mais. Deixei o pobre moço com Shakespeare e um "A gente se fala", sem contar a desculpa ridícula que tive de inventar. Não sei mentir. Exceto quando se trata do que eu sinto por você. Nisso, ah, eu sou ótima!          

Enquanto me dirigia ao teu apartamento repassei todos os motivos que me levaram a deixar o possível "homem da minha vida" por você. Teus amigos me acham sem graça e eu sempre os achei idiotas. Minhas amigas te detestam, mas eu continuo te defendendo em todas as conversas que temos. Esses dias falaram de você e me perguntaram se isso que a gente sente um pelo outro é amor. Eu respondi que não, afinal, nos falta toda essa estabilidade que o amor possui. Também  não é paixão. É? Racionalizamos demais os sentimentos para deixar que os instintos nos tomem por completo. Amizade? O que torna uma pessoa sua amiga? Se o tempo for um pré requisito, então, não, não é isso. No entanto, apesar do pouco tempo, sabemos um do outro mais do que saberíamos se fossemos meros conhecidos. Não cabemos em rótulos. Mas, me escuta, essa indefinição toda ainda nos vai deixar imensos. O que somos não passa de um jogo no qual 99% das brincadeiras são verdades veladas. Eu odeio dizer isso, mas, nesse jogo, não há vencedores. Brincar com casualidade é perigoso, pois não há regras. Até onde isso vai? Até que um dos dois esteja machucado o suficiente para querer sair. Ou pra deixar de lado o orgulho e fazer pelos dois o que nenhum ainda teve coragem.

Cheguei ao seu apartamento e nem precisei interfonar: você me esperava, impaciente, na janela. Pela porta entreaberta eu pude ver os sapatos espalhados, os papéis borrados de nanquim azul no canto da sala e pude ouvir alguém cantando baixinho junto ao disco que girava na vitrola antiga. Talvez fosse Dylan ou Buckley, que você detesta e que insisto em cantarolar só pra te provocar, mas eu nunca vou saber. Assim que empurrei a porta, e recebi teu olhar, entendi tudo. Nós entendemos.

Agora, caro leitor, resta dizer que fechei a porta e é fora desse apartamento que vocês ficam. Espero que vocês também entendam.

3 comentários:

  1. Adorei o texto!
    Beijinhos
    Lyn
    http://alittleinsomniac.blogspot.com

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  2. Own, entendo, né.. fazer o que? haha
    Adorei o texto, muito bom!
    Beijinhos

    Am
    http://www.vinteepoucos.com.br/

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  3. Acho que todo mundo consegue, pelo menos um pouquinho, te entender, Andressa.

    Ótimo texto!

    Adorei o blog e quero saber todas as novidades! Já estou seguindo. Espero que curta o meu!
    www.pronomeinterrogativo.com

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