Ouça: Norah Jones - She's 22
"Um dia a menos.", penso enquanto abro a porta e jogo as chaves da casa na mesa mais próxima. As luzes apagadas denunciam ausência e as paredes parecem ter a intenção de me sufocar. Meu celular toca no fundo da bolsa e me tira de todo o torpor causado por um dia ruim. O sofá me acolhe enquanto identifico as mensagens e seus respectivos destinatários. Meus pais, avisando que chegaram em segurança ao destino almejado; minha melhor amiga, contando as novidades sobre o misterioso rapaz em que está interessada; e algum cara com quem saí no último final de semana, convidando-me para a festa incrível do amigo, no próximo sábado. Ignoro a mensagem do último e busco o número do mesmo na lista de contatos. Por ironia, teu nome se mostra logo acima do dele e, sem pensar duas vezes, aperto o botão e aguardo. Me pergunto se você vai atender depois de ver que é meu número e tenho vontade de desligar. Tarde demais. Teu "Alô", um tanto quanto surpreso, me pega desprevenida e minha voz soa estranha. Após frases feitas–"Tudo bem?" "Sim, e você?"– o silêncio resolve dar as caras. Você pigarreia enquanto busco meios de deixar as coisas menos estranhas.
Pergunto como anda sua vida e você responde, frio, como se informasse a um estranho o horário do próximo ônibus. Nunca fomos um casal, sempre ficou claro. Isso acabou doendo um pouco nos dois, transformando os espaços vazios em icebergs que nos separavam. Prego peças em minha cabeça tentando me convencer que só fala assim porque é quinta-feira, já é tarde e você quer dormir. Há uma risada estridente do outro lado do telefone e você pigarreia. Eu sei que ela está aí.
Sua nova garota é dessas que ri sozinha e tem milhões de amigos. Bate baixinho na porta do seu apartamento e espera você abrir, enquanto sustenta um sorriso enorme e carrega a comida que comprou no caminho, porque sabe que na sua geladeira só existem potes esquecidos de algo que, algum dia, se assemelhou àquele jantar da semana passada. Atravessa o apartamento tirando os casacos e largando as sacolas no balcão, tudo isso enquanto fala sobre o dia e os inúmeros trabalhos da faculdade. Você acaba descobrindo que nunca gostou tanto da menina. De todas as garotas, escolheste justo aquela que era o oposto de mim. Os cabelos e olhos escuros são como os seus. Você aparece e me faz jogar no lixo toda aquela teoria de que opostos se atraem. Fico aqui criando novas teorias: talvez seja preciso achar alguém parecido com a gente pra se sentir menos só. Deve ser isso. Ou talvez você a ame. E algum dia... Sei lá, cara...Depois de algum tempo vem as banalidades, as conversas sobre o tempo, o sexo desgastado, as noites de insônia, os abraços soltos. Um dia ela se vai. Ou, quem sabe, você. Ainda não é assim, é? Não saberei.
Ela agora pergunta quem é ao telefone e qual a razão de estar tão calado por tanto tempo. Você pigarreia mais uma vez e diz que tem que ir. Respondo que tudo bem, e que não liguei pra causar problema, não. Acho que, no fundo, só queria entender em que ponto a gente se perdeu um do outro. Ou se, algum dia, chegamos a nos encontrar. Eu só queria paciência, cuidado, equilíbrio. Você e seus imediatismos. Eu e minha vontade de me proteger a qualquer custo. Só queria que soubesse que eu estava procurando um lugar na minha vida pra você. E, bem, entendo a decisão que tomou quando viu que, talvez, eu demorasse demais para achar. Eu sinto muito por isso.
O silêncio partilhado começa a incomodar, tal como o tic tac do relógio, que pesa no prego a cada minuto que passa. Você torna a dizer que tem que ir e, dessa vez, eu entendo. Porque também preciso. Ir pra qualquer lugar que faça o coração recobrar os batimentos normais e abandonar ansiedades destrutivas. "Te cuida, moço", digo, já sabendo que já tens alguém que te cuida melhor do que eu, algum dia, poderia. Desligo o telefone sem dizer que, na verdade, sempre estive na tua. Uma pena. Mas, ah, o que é que eu fazia antes de ter essa estúpida ideia de te ligar? Claro, a festa! Meu consolo? Agora é saber que, as vezes, alguns convites não precisam passar pelo dolorido tarde demais.
"Um dia a menos.", penso enquanto abro a porta e jogo as chaves da casa na mesa mais próxima. As luzes apagadas denunciam ausência e as paredes parecem ter a intenção de me sufocar. Meu celular toca no fundo da bolsa e me tira de todo o torpor causado por um dia ruim. O sofá me acolhe enquanto identifico as mensagens e seus respectivos destinatários. Meus pais, avisando que chegaram em segurança ao destino almejado; minha melhor amiga, contando as novidades sobre o misterioso rapaz em que está interessada; e algum cara com quem saí no último final de semana, convidando-me para a festa incrível do amigo, no próximo sábado. Ignoro a mensagem do último e busco o número do mesmo na lista de contatos. Por ironia, teu nome se mostra logo acima do dele e, sem pensar duas vezes, aperto o botão e aguardo. Me pergunto se você vai atender depois de ver que é meu número e tenho vontade de desligar. Tarde demais. Teu "Alô", um tanto quanto surpreso, me pega desprevenida e minha voz soa estranha. Após frases feitas–"Tudo bem?" "Sim, e você?"– o silêncio resolve dar as caras. Você pigarreia enquanto busco meios de deixar as coisas menos estranhas.
Pergunto como anda sua vida e você responde, frio, como se informasse a um estranho o horário do próximo ônibus. Nunca fomos um casal, sempre ficou claro. Isso acabou doendo um pouco nos dois, transformando os espaços vazios em icebergs que nos separavam. Prego peças em minha cabeça tentando me convencer que só fala assim porque é quinta-feira, já é tarde e você quer dormir. Há uma risada estridente do outro lado do telefone e você pigarreia. Eu sei que ela está aí.
Sua nova garota é dessas que ri sozinha e tem milhões de amigos. Bate baixinho na porta do seu apartamento e espera você abrir, enquanto sustenta um sorriso enorme e carrega a comida que comprou no caminho, porque sabe que na sua geladeira só existem potes esquecidos de algo que, algum dia, se assemelhou àquele jantar da semana passada. Atravessa o apartamento tirando os casacos e largando as sacolas no balcão, tudo isso enquanto fala sobre o dia e os inúmeros trabalhos da faculdade. Você acaba descobrindo que nunca gostou tanto da menina. De todas as garotas, escolheste justo aquela que era o oposto de mim. Os cabelos e olhos escuros são como os seus. Você aparece e me faz jogar no lixo toda aquela teoria de que opostos se atraem. Fico aqui criando novas teorias: talvez seja preciso achar alguém parecido com a gente pra se sentir menos só. Deve ser isso. Ou talvez você a ame. E algum dia... Sei lá, cara...Depois de algum tempo vem as banalidades, as conversas sobre o tempo, o sexo desgastado, as noites de insônia, os abraços soltos. Um dia ela se vai. Ou, quem sabe, você. Ainda não é assim, é? Não saberei.
Ela agora pergunta quem é ao telefone e qual a razão de estar tão calado por tanto tempo. Você pigarreia mais uma vez e diz que tem que ir. Respondo que tudo bem, e que não liguei pra causar problema, não. Acho que, no fundo, só queria entender em que ponto a gente se perdeu um do outro. Ou se, algum dia, chegamos a nos encontrar. Eu só queria paciência, cuidado, equilíbrio. Você e seus imediatismos. Eu e minha vontade de me proteger a qualquer custo. Só queria que soubesse que eu estava procurando um lugar na minha vida pra você. E, bem, entendo a decisão que tomou quando viu que, talvez, eu demorasse demais para achar. Eu sinto muito por isso.
O silêncio partilhado começa a incomodar, tal como o tic tac do relógio, que pesa no prego a cada minuto que passa. Você torna a dizer que tem que ir e, dessa vez, eu entendo. Porque também preciso. Ir pra qualquer lugar que faça o coração recobrar os batimentos normais e abandonar ansiedades destrutivas. "Te cuida, moço", digo, já sabendo que já tens alguém que te cuida melhor do que eu, algum dia, poderia. Desligo o telefone sem dizer que, na verdade, sempre estive na tua. Uma pena. Mas, ah, o que é que eu fazia antes de ter essa estúpida ideia de te ligar? Claro, a festa! Meu consolo? Agora é saber que, as vezes, alguns convites não precisam passar pelo dolorido tarde demais.
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