sábado, 19 de novembro de 2016

Sorriso ao sono


"Isso me inquieta. Sinto que quem fala comigo é uma foto. 
Recordo aquele poema, "Os olhos desta dama morta me falam". 
Mas ela move as mãos e a vida volta ao seu corpo. Não está morta, 
penso de novo, e de novo sinto uma alegria imensa." 
Formas de voltar para casa, Alejandro Zambra.

Foi abrir os próprios olhos para sentir os dela o encarando do outro lado da sala. Era madrugada e a pequena forma o observava da outra poltrona, sem dizer nada. Tentou erguer-se do sofá, estabelecer algum movimento que despertasse nela qualquer tipo de reflexo, mas foi em vão: caberia apenas assistir ao enquadramento formado pelas grandes janelas em contraste com a sombra do móvel e do corpo que nele repousava. Pensou em como ela poderia ter chegado ali sem saber o endereço ou mesmo o número correto da porta a se atravessar.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Passageiro


A última vez que desembarquei no Tietê foi sabendo que não cruzaria a infinidade de linhas da Portuguesa-Tietê ao Terminal da Barra Funda porque significava ultrapassar os limites que me levariam de volta ao teu mundo, repleto de ônibus, carros, sinais fechados e lugares que aprendi a explorar do teu lado. Assim, sabia também que as mãos não pousariam na minha cintura e que seguiríamos lado a lado com um abismo nos separando, mesmo quando insisti em prender meus dedos nos seus, mesmo quando você subiu comigo de elevador e entrou comigo num quarto estranho de um prédio aleatório da Augusta, aquele, que juravas que era pro lado da Oscar Freire quando mal o meu dinheiro dava para pequenos luxos, como almoçar todos os dias ou tomar um táxi nos dias em que estivesse muito cansada. E eu ri, pelos deuses, e chorei tanto quanto foi possível. A Paulista aberta no dia seguinte era a memória que eu levaria comigo nos meses seguintes, sabendo tudo que precisava para seguir a vida estaria dentro de mim e que o lugar no qual meu corpo repousaria era só um detalhe que você não entenderia nunca.