terça-feira, 4 de outubro de 2016

Miscelânea 141018

He was jealous, and anxious, and tender.
And I was like God’s sun to him.
To stop her from singing of the days she remembered,
He killed my white bird on a whim.
He entered the front room at dusk and implored:
“Love me, laugh, and continue to write!”
And I buried the cheerful, jovial bird
Near the well by the alder that night.
I promised to him not to wallow in woe,
But my heart turned to stone, cold and bare,
And it seems to me, always, wherever I go,
I will hear her sweet voice in the air.
Anna Akhmatova

- Escrevo em todos os cantos. escrevo porque quando te amava, o dizia todos os dias. agora que já não amo, digo a todos que cruzam meu caminho pois já não sei o que fazer do desamor. - me disse enquanto esperava o táxi pra entrar em uma casa cuja porta eu jamais cruzaria.

O passado chama meu nome, sussurra minhas confissões e lembra a todo momento que já não me cabe. Isso porque um dia, cansado dos espaços labirínticos da minha mente, tomou o espaço do outro quarto. Então se instalou na cozinha, no banheiro e na varanda. Depositou o pó das lembranças em todos os móveis da sala. De tanto a casa cheirar a passado, tornei-me passado também. O cabelo clareou e, como numa foto tirada há tempos, as cores se foram.  
Não é engraçado, mas rio das ironias que hoje retratam quem éramos. É engraçado porque as raízes de uma árvore conseguem quebrar o concreto para crescer; porque há peixes que habitam o fundo do oceano e caçam sem enxergar. A vida tem jeitos inimagináveis de existir e eu, embora míope e astigmática pela genética, sempre te enxerguei tão bem mesmo que estivesse muito distante. Isso me bastava. Esperançosa frente ao teu peito árido, achei que era possível brotar amor e colher um pouquinho de calma, compreensão. É engraçado como parecia sustentável a coexistência daquilo que você chamava de intensidade - não sou homem de metades, você disse; - com a minha capacidade de ponderação - I wanna hold your hand, eu deveria ter dito.
É engraçado, sim. De alguma forma, não é nada além de maduro encarar o mesmo quarto,  a mesma cama na qual, há meses, anos, décadas, na qual me pedira para compartilhar a vida - como se já não fizéssemos isso há semanas. Minha cabeça apoiada do lado esquerdo do seu peito era a certeza de que haveria melodia até o fim dos tempos, de que haveria uma cidade interna na qual os semáforos se tornariam sempre verdes para os passageiros e não haveria dor e todos teriam ao lado da cama uma pilha de livros inesgotável e uma xícara de chá e uma mão para segurar.
Acordo e não rio. Em alguns dias, no entanto, é inevitável o encantamento para com o mundo, para consigo. Ainda não escrevo, talvez porque ordeno dentro de mim as palavras que são suficientes e aquelas que já me são dispensáveis. Você se vai, aos poucos.
Aos poucos, suspiro com alívio: eu volto pra mim.

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