Ouça: Kevin Garrett - Refuse
Aqui, no quarto ao lado, na cidade vizinha, em outro estado,
em um país qualquer, em um continente distante: silêncio. Dois mundos se calam
para aquilo que, julgaram, ser eterno ou, ao menos, duradouro.
Não mais
rabiscam planos e, alheios, enterram o nome das crianças que adicionariam à
família que desejavam ter junto aos quatro gatos, três cachorros e duas
tartarugas.
As primeiras rachaduras nasceram, como a maioria, da
convivência. Conviver com o outro é descobrir traços que até então estavam
submersos. Como num iceberg, o encanto tem início com base naquilo que é
visível e a ruína se materializa conforme a profundidade do mergulho. Se as
metáforas não lhe soam claras, o que aqui aponto diz a respeito da necessidade
de mudanças.
Às cegas, se conheceram, tateando àquilo que estava logo a
frente. Uma vez expostas à luz, as descobertas ganhavam vida. Amaram o riso
manso, as piadas mal calculadas, o humor fácil. Reconheceram-se no autor
favorito, no gênero cinematográfico querido, nas viagens que pretendiam fazer.
Nos estudos das faculdades. Nos ideais de felicidade e justiça. Mesmo nas
falhas, encontravam extensão. A teimosia e a introversão eram características
dos que compartilhavam uma infância comum mesmo a tantas diversidades.
Deixaram o carinho em terra seca para vestir os escafandros
que lhes permitiram descer ao fundo e conhecer raízes. Convivência. Quanto
maior a profundidade, mais crus tornaram-se os defeitos. “Você precisa mudar”,
alguém disse. “Eu vou”, o outro respondeu. Resolveriam assim que retornassem à
superfície, mas a demanda de alterações fora tão grande e pesada, que os
manteve submersos. Mais e mais exigiam. A presença. Demonstrações públicas.
Atestados de compromisso. Visibilidade. Garantias. Mudariam, é claro, por si,
afirmavam exigindo uma nova postura de quem os acompanhava.
Tão absortos naquilo que viriam a ser, desceram até onde o oxigênio lhes permitia, sufocando-os em seguida.
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