domingo, 21 de agosto de 2016

Respire




Aqui, no quarto ao lado, na cidade vizinha, em outro estado, em um país qualquer, em um continente distante: silêncio. Dois mundos se calam para aquilo que, julgaram, ser eterno ou, ao menos, duradouro. 
Não mais rabiscam planos e, alheios, enterram o nome das crianças que adicionariam à família que desejavam ter junto aos quatro gatos, três cachorros e duas tartarugas.


As primeiras rachaduras nasceram, como a maioria, da convivência. Conviver com o outro é descobrir traços que até então estavam submersos. Como num iceberg, o encanto tem início com base naquilo que é visível e a ruína se materializa conforme a profundidade do mergulho. Se as metáforas não lhe soam claras, o que aqui aponto diz a respeito da necessidade de mudanças.


Às cegas, se conheceram, tateando àquilo que estava logo a frente. Uma vez expostas à luz, as descobertas ganhavam vida. Amaram o riso manso, as piadas mal calculadas, o humor fácil. Reconheceram-se no autor favorito, no gênero cinematográfico querido, nas viagens que pretendiam fazer. Nos estudos das faculdades. Nos ideais de felicidade e justiça. Mesmo nas falhas, encontravam extensão. A teimosia e a introversão eram características dos que compartilhavam uma infância comum mesmo a tantas diversidades.


Deixaram o carinho em terra seca para vestir os escafandros que lhes permitiram descer ao fundo e conhecer raízes. Convivência. Quanto maior a profundidade, mais crus tornaram-se os defeitos. “Você precisa mudar”, alguém disse. “Eu vou”, o outro respondeu. Resolveriam assim que retornassem à superfície, mas a demanda de alterações fora tão grande e pesada, que os manteve submersos. Mais e mais exigiam. A presença. Demonstrações públicas. Atestados de compromisso. Visibilidade. Garantias. Mudariam, é claro, por si, afirmavam exigindo uma nova postura de quem os acompanhava.


Tão absortos naquilo que viriam a ser, desceram até onde o oxigênio lhes permitia, sufocando-os em seguida.

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