segunda-feira, 9 de maio de 2016

Formas de Voltar Para Casa


“Se não quiser luzes acesas durante a madrugada e o incessante barulho do lápis cortando o papel durante a madrugada, certifique-se de não dormir comigo”, ele disse, assinando a sentença com um ponto final invisível que encarou como ironia e que ela leu como crueza.

Na mão, as cicatrizes acumuladas dos tombos na infância, dos primeiros cigarros na adolescência e das crises de ansiedade na vida adulta. Ela encarava, oscilando os olhares entre os dedos inquietos e o dono. Não tinha respostas. Há tempos, inclusive.

Após um período separados pelos os abismos emocionais de cada um (e eventuais corpos diferentes nas respectivas camas), tentavam, novamente, encontrar as rachaduras que tanto evitaram. Era como voltar para casa depois de um longo tempo fora e descobrir que as fechaduras foram trocadas porque alguém invadiu o ambiente e as antigas já não eram tão seguras. O silêncio, tão mediador entre os dois, pelo menos este, permanecia inabalável.

Enquanto encaravam elementos distintos aos próprios corpos, ela refletia a respeito da dureza do rapaz. Que havia provocado um desencontro, era certo. Em meio ao turbilhão, perguntava-se se a odiava, dúvida que fazia contraponto ao fato dele estar ali, ao seu lado. 

Já ele relutava em perguntar se todo o percurso que ela percorrera valia ter adiado o compartilhamento de melancolia a dois que planejara há tanto tempo. Optou por não questionar as escolhas da moça, afinal, eram dois jovens adultos disfuncionais que só seriam capazes de direcionar a vida de forma efetiva nos próximos anos. Que ao menos tivessem uma chance para fazer isso juntos, pensou.


Quebrando o silêncio, ela disse algo sobre algum autor que lera nos últimos meses e que convergia com a lista que ele esperava completar. Quando pediu mais detalhes, ela resumiu: 

"Only love & noise." 

Por ironia, souberam que era isso o que lhes caberia ser dali para frente. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário